50º Congresso da APAVT em Macau: futuro e transformação

Reportagem

18-12-2025

# tags: APAVT , Congressos , Turismo de Negócios , Macau

Um congresso histórico em múltiplas dimensões — pela simbologia do número redondo, pela maior participação de sempre e pela densidade dos temas que marcaram a agenda.

Com mais de mil participantes, o 50º Congresso da Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo, realizado em Macau de 2 a 4 de dezembro, reforçou não apenas a capacidade organizativa da APAVT, mas também o papel de Macau enquanto plataforma privilegiada de ligação entre Portugal, a China, a Europa e os países de língua portuguesa. Um posicionamento que sai reforçado com a decisão de eleger Macau como Destino Preferido Internacional da APAVT em 2026.

Inteligência artificial: da teoria à urgência da ação


Entre os conteúdos que marcaram o programa, destacou-se a intervenção de Sérgio Ferreira, partner da EY Portugal, que traçou um retrato claro e pragmático do impacto que a inteligência artificial — e as ferramentas que dela decorrem — já estão a ter no quotidiano pessoal e profissional.


Mais do que um exercício prospetivo, a apresentação deixou uma mensagem inequívoca ao setor do turismo: a transformação está em curso e não é opcional. A IA está já a redefinir processos, modelos de negócio, formas de comunicar e de trabalhar, e quem atua no turismo deve abraçar esta mudança o quanto antes, experimentar, testar e aprender. A adaptação, ficou claro, será um fator decisivo de competitividade nos próximos anos.

Esta visão foi complementada pela apresentação do estudo da EY, Impacto Económico da Distribuição Turística em Portugal, que confirmou a robustez e o crescimento do setor, com um impacto de 7,6 mil milhões de euros no VAB, equivalente a 3% do PIB nacional, e mais de 151 mil postos de trabalho sustentados. Um setor resiliente, com maturidade digital acima da média nacional, mas que enfrenta desafios estruturais que não podem ser ignorados.

Aeroporto de Lisboa: constrangimentos presentes e alternativa ainda distante


Os atuais constrangimentos no Aeroporto Humberto Delgado estiveram também no centro das atenções, com particular foco nos problemas persistentes nos postos de controlo de fronteira. O Governo, pela voz do Secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Espírito Santo, reconheceu que a situação ainda não está resolvida, apontando a insuficiência de efetivos como principal causa para as dificuldades sentidas por passageiros e operadores.


O debate estendeu-se naturalmente ao futuro aeroporto de Lisboa, previsto agora para Alcochete. Embora o horizonte de 2035 continue a ser apontado como data de conclusão pelos mais otimistas — incluindo o próprio Secretário de Estado —, muitos dos intervenientes não escondem o ceticismo quanto à sua operacionalização dentro desse prazo. A complexidade do processo é elevada, envolvendo, por exemplo, a desminagem do antigo campo de tiro e a travessia do Tejo para ligar as duas margens, com a construção de novas ligações ferroviárias e rodoviárias. Um projeto estruturante, mas ainda envolto em incerteza temporal.

Pedro Costa Ferreira: o valor do Congresso e uma despedida marcante


O Congresso de Macau teve também um significado especial por ter sido o último dirigido por Pedro Costa Ferreira enquanto presidente da APAVT, no seu mandato final à frente da Associação.

Em entrevista, o dirigente sublinhou o caráter absolutamente central do Congresso para os objetivos da APAVT. “O nosso congresso é um congresso de agentes de viagens que se transformou num congresso de turismo organizado por agências de viagens. Desde logo, há aqui um sinal da nossa capacidade de realização, que é a nossa profissão”, afirmou.

Para além de ser o principal momento anual de afirmação de mensagens estratégicas, o Congresso é, segundo Pedro Costa Ferreira, um espaço essencial de networking e de construção de diálogo entre diferentes setores do turismo. “Juntamos pessoas diferentes, com objetivos diferentes, e tentamos construir algo comum que seja melhor do que aquilo que encontramos quando chegámos”, explicou.

Num contexto de crescente digitalização e de forte presença da inteligência artificial no debate, o presidente da APAVT reforçou a importância do contacto humano. “Como ouvimos aqui no Congresso, quanto mais tecnologia existir, mais importantes serão as pessoas”, sublinhou, destacando o valor insubstituível de colocar profissionais frente a frente.

Questionado sobre a memória mais marcante dos vários congressos que viveu, a resposta foi clara e emotiva: este. “É aquele em que me despeço do setor. Nunca me passou pela cabeça que pudéssemos transportar mais de mil pessoas em 172 voos diferentes. Desse ponto de vista, será aquele que melhor preencheu as minhas expectativas.”

Um setor que olha em frente


O 50.º Congresso da APAVT encerrou também as comemorações dos 75 anos da Associação e reforçou uma parceria estratégica com Macau que, nas palavras do seu presidente, “não quer, nem deve, parar”. Um Congresso que cruzou números sólidos com visões de futuro, tecnologia com pessoas, e que deixou claro que o turismo português continua a pensar grande — mesmo quando os desafios são igualmente de grande escala.

O próximo encontro já tem destino marcado: Marraquexe, entre 5 e 8 de dezembro de 2026. Até lá, o debate iniciado em Macau promete continuar bem vivo.

Macau, uma plataforma estratégica entre Portugal, Europa e China


Para Maria Helena Fernandes, diretora do Turismo de Macau, o acolhimento do 50.º Congresso da APAVT insere-se numa estratégia clara de afirmação de Macau como centro mundial de turismo e lazer, com um reforço deliberado da captação de visitantes internacionais, em particular europeus. Nesse contexto, Portugal surge como parceiro natural, não apenas pela relação histórica, mas também pela proximidade institucional e pela colaboração continuada com a APAVT.

A responsável sublinha que esta edição teve um significado especial, ao assinalar simultaneamente os 50 congressos da Associação e os seus 75 anos, servindo também para demonstrar a capacidade de Macau para receber eventos de grande dimensão. Ao mesmo tempo, o território posiciona-se como porta de entrada para a China, agora facilitada pela isenção de visto para cidadãos portugueses, criando novas oportunidades tanto no lazer como nos negócios.

Embora Portugal não seja ainda um mercado de grande volume — em 2024, Macau recebeu pouco mais de 9 mil visitantes portugueses —, o crescimento é expressivo, com aumentos superiores a 30% este ano. Para Maria Helena Fernandes, mais do que números imediatos, o objetivo passa por mudar perceções: dar a conhecer um Macau que combina património classificado pela UNESCO, uma forte identidade gastronómica com raízes portuguesas e uma oferta turística e de serviços em constante evolução. Uma imagem de amizade, abertura e ligação a Portugal que, espera, os participantes do Congresso levarão consigo.

O poder das ideias simples e a coragem de as pôr em prática


No painel de oradores, o marketeer de guerrilha André Rabanéa trouxe ao Congresso da APAVT uma mensagem clara e provocadora: no turismo — como em qualquer setor — não são necessariamente as grandes campanhas que fazem a diferença, mas sim o poder de uma boa ideia, mesmo quando parece pequena.

Para o especialista, uma ideia simples pode ser grandiosa no impacto, gerar surpresa e um forte efeito de boca-a-boca, desde que exista coragem para a assumir e implementar. E é precisamente aí que surgem os maiores bloqueios. O medo de arriscar, a pressão cultural para não falhar e o receio de expor ideias em contextos mais formais continuam a travar a inovação, sobretudo em organizações de maior dimensão.

Rabanéa defende ambientes mais colaborativos, onde as ideias possam ser partilhadas e testadas, e sublinha que a criatividade só se concretiza quando existe vontade — e coragem — para passar da intenção à ação. Questionando também os formatos tradicionais dos congressos, de um modo geral, deixou o desafio de pensar eventos mais dinâmicos, com maior diversidade de vozes, workshops e experiências que promovam a interação. E reconheceu o alcance do encontro em Macau: reunir mil portugueses do setor do turismo num destino distante é, por si só, uma ideia simples com impacto verdadeiramente grande.

Inteligência artificial, relações humanas e oportunidades na China


Entre os participantes, Frédéric Frère, líder do Grupo Embrace, destacou o forte enfoque do Congresso da APAVT no futuro, sublinhando em particular uma das sessões dedicadas à inteligência artificial. Para o gestor, a intervenção funcionou como um verdadeiro alerta: a transformação tecnológica já está em curso e exige uma resposta imediata. “Acabou-se a conversa, temos de passar à ação”, resumiu, reconhecendo que, apesar do trabalho que a empresa já vem a desenvolver nesta área, o ritmo de mudança obriga a decisões rápidas e concretas.

Ao mesmo tempo, Frédéric Frère reforçou o valor insubstituível do contacto humano, sobretudo num contexto de crescente automatização. A experiência do período da pandemia deixou-lhe a convicção de que os eventos presenciais têm um futuro particularmente forte, precisamente porque permitem relações de qualidade, difíceis de replicar em ambientes virtuais. Para o responsável, a interação human to human continuará a ser um dos grandes diferenciadores da indústria dos eventos, dos congressos e das convenções.

A participação nas reuniões one-to-one com empresas chinesas foi outro dos pontos altos desta edição. Frédéric Frère confessou ter ficado agradavelmente surpreendido com o conhecimento profundo que muitos dos interlocutores tinham sobre Portugal, o seu património e a sua história, bem como com a vontade genuína de desenvolver relações de colaboração. Apesar dos desafios culturais e linguísticos, saiu de Macau entusiasmado com as oportunidades no mercado chinês e confiante de que, com a abordagem certa, existe um terreno fértil para parcerias duradouras.

Macau: espaço de validação estratégica para o mercado asiático


Para Elsa Diogo, da In Tours, a presença no Congresso da APAVT em Macau respondeu a vários objetivos estratégicos, desde logo o reencontro com os agentes de viagens portugueses, num contexto de partilha de experiências, desafios e boas práticas num setor em permanente transformação. A participação nas conferências foi igualmente determinante, enquanto espaço de reflexão e atualização estratégica.


A responsável participou nas reuniões one-to-one com buyers chineses, um mercado que a In Tours tem vindo a explorar sobretudo no segmento de lazer. Estes primeiros contactos confirmaram o interesse crescente pelo destino Portugal e pela proposta de valor da empresa, reforçando a convicção de que Macau e a China representam uma oportunidade com potencial para o desenvolvimento de negócio.

Mais do que resultados imediatos, Elsa Diogo destaca o valor do Congresso como momento de validação de estratégia. Os encontros permitiram aprofundar o conhecimento sobre as expectativas, preferências e padrões de consumo dos clientes chineses, dando à In Tours ferramentas para afinar a sua oferta e consolidar o posicionamento como especialista no destino Portugal junto do mercado asiático.


Rui Ochôa*
Viajou a convite da APAVT