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A situação na Europa: “A indústria dos eventos foi dos 100% aos zero em dez dias”

01-04-2020

A Event Point foi à procura da realidade das indústrias de eventos de diferentes países europeus. Entrevistamos seis revistas do setor da Bélgica, Alemanha, Espanha, Eslovénia, Holanda e Finlândia. Eis o que os editores nos contaram.

Bélgica

Na Bélgica, falamos com Jean-Paul Talbot, da revista Experience. O responsável refere que a indústria dos eventos parou totalmente a 10 de março “com a proibição oficial de eventos que juntassem mais de mil pessoas”. Neste momento todos os eventos que se iam realizar entre março e junho foram ora cancelados, ora adiados para o Outono. Talbot afirma que os festivais de Verão também estão ameaçados. A total inatividade, e consequente receita zero, esperada para os próximos seis meses coloca “perspetivas dramáticas” para o setor, sejam empresas, sejam trabalhadores independentes. “Estamos a trabalhar com as maiores associações, universidades e instituições públicas para medir o real impacto económico da crise”.

O responsável da Experience lembra que o governo belga não tomou medidas específicas para o setor à data da entrevista. Isto mostra “que somos uma indústria invisível com nenhuma influência na opinião pública e que somos uma indústria sem definição nem estrutura”. No entanto, o governo anunciou já medidas aplicáveis a todas as empresas: adiamento de impostos, desemprego temporário, etc.

A incerteza entre organizadores de eventos é grande. Seis meses sem negócio, sem ajuda das autoridades, significa falências. “Fomos os primeiros a ser atingidos e vamos ser os últimos a retomar, uma vez que a produção de um evento demora em média um a três meses”, diz Talbot, referindo mais especificamente aos organizadores corporate.

Estando os eventos adiados para o Outono, a dúvida é se vai ser possível encontrar a quantidade de fornecedores necessários, bem como os espaços para absorver “um crescimento acentuado da atividade”. A longo prazo, “posso imaginar que haverá novas medidas de segurança” e isto pode impactar o tamanho e o âmbito dos eventos.


Alemanha

Na Alemanha, a nossa interlocutora é Kerstin Meisner, da Memo Media, que conta que a indústria, depois de um início de ano promissor, “está num coma artificial”, que ninguém sabe quando terminará. A responsável concorda que este foi um dos setores a sofrer mais cedo o impacto e um dos que mais tarde irá regressar à “normalidade”. Meisner olha com pessimismo para os orçamentos dos clientes nos próximos tempos.

A editora da Memo Media refere que o setor se sente respaldado pelo governo alemão e que os vários estados federais estão a dar apoios quer às empresas, quer aos trabalhadores independentes, quer aos freelancers. “Tratam-se de subsídios que não têm de ser pagos de volta, mas que são taxados, e que vão dos 2 mil aos 9 mil euros, e por vezes até aos 15 mil euros”, refere Kerstin Meisner. A entrevistada diz que há várias outras medidas que estão a ser postas em prática, nomeadamente o adiamento de impostos.

A indústria mantém-se “calma”. “Toda a gente está em choque, mas estão unidos, e a aproveitar este tempo para conversar e apoiarem-se uns aos outros”. A editora ressalta ainda o espírito de comunidade de muitos dos organizadores que estão a apoiar os idosos e a participar em atividades solidárias.

Nada vai ser como antes, acredita Meisner. “Seguramente as viagens vão diminuir, uma vez que toda a gente se adaptou tão rapidamente à colaboração virtual”, diz a responsável que acredita que vai ser prestada mais atenção ao conteúdo.


Espanha

Como sabemos, a vizinha Espanha é um dos países mais afetados pela pandemia Covid-19. Jose Garcia Aguarod, mais conhecido por Pepe Aguarod, é um dos diretores da Evento Plus, que publica a Eventos Magazine, e partilhou o que está a acontecer na indústria espanhola. “A indústria dos eventos foi dos 100% (ou 120%) aos zero em dez dias”, relata. Cancelamentos e adiamentos para datas indefinidas é o panorama local; os gestores de eventos estão em casa a trabalhar em projetos futuros ou apenas à espera de alguma luz. “Há uma grande surpresa na velocidade e magnitude de tudo isto”, refere Aguarod.

Em Espanha também não há medidas específicas para o setor dos eventos até à data desta conversa. Mas quer a imprensa, quer as associações estão a exercer influência junto do governo para provar o valor da indústria dos eventos. Ainda assim, o governo espanhol já anunciou medidas para ajudar as empresas e os seus empregados.

Pepe Aguarod refere que os clientes corporate estão com uma atitude de “esperar para ver”. Estão a adiar eventos para o segundo semestre e à espera que as agências sugiram soluções virtuais interessantes. Por outro lado, “muitos players da indústria estão agora a ver o valor da confiança mútua e das relações duradouras, porque todos precisamos de algo dos outros (contratos estão a ser reescritos, cláusulas de cancelamento, flexibilidade, etc)”, diz o responsável da Evento Plus.

Para já não há grande clareza para poder dizer como vai ser o futuro. “Na minha opinião o mercado vai recuperar até certo ponto – muito gradualmente – uma vez que os países (mesmo regiões dentro dos países) sairão desta pandemia em datas diferentes”, adianta Aguarod. Depois vai depender do tempo que vai demorar a passar e do trauma que vai deixar na sociedade. “As empresas vão ter de ser muito cuidadosas antes de avançar para a organização de grandes eventos, e provavelmente vão exigir muita flexibilidade, garantias sanitárias e de segurança, e vão cortar os extras”, acredita o nosso entrevistado.


Eslovénia

Apesar de sediada na Eslovénia, a Kongres tem um âmbito mais alargado, cobrindo as regiões dos Balcãs e da Europa Central. Gorazd Cad respondeu a algumas perguntas da Event Point. “Uma coisa é certa, não vamos organizar eventos até ao Verão”, refere o editor. As empresas estão a fazer os possíveis a trabalhar em casa, mas já há situações de lay off. “Quanto mais tempo durar a incerteza, podemos esperar mais desemprego”, antecipa Cad.

Depois de uma petição da Kongres a instar o governo a agir de forma a ajudar os organizadores de eventos, Gorazd Cad diz que começam a receber respostas ao SOS. “O governo está a considerar as nove medidas que apresentamos”, e que podem permitir que as empresas mantenham o seu maior capital: os trabalhadores. O que pode não ser fácil, uma vez que as receitas vão ser próximas do zero.

Os organizadores desta região da Europa estão “mais ou menos pessimistas”. Mas têm a certeza de que a necessidade de eventos presenciais vai ser muita depois desta crise terminar. “Reservas para eventos no Outono são já um claro indicador disso”, refere Gorazd Cad. “Esperamos todos sobreviver a este período de hibernação e encontrar uma saída desta escuridão”, se possível com a ajuda do governo.

Apesar de tudo, o diretor da Kongres acredita que a indústria se vai reerguer. “Nós somos seres sociais e não vamos conseguir estar sem eventos, está no nosso ADN”, e por isso “não se pode atirar a toalha ao chão”. Gorazd Cad deixa algumas dicas: comunicar com clareza, mantermo-nos proactivos, prescindir de mensagens comerciais e pensar que nesta altura o importante é a solidariedade e trabalhar em benefício da indústria.


Holanda

Sjoerd Weikamp, da Event Branche, não tem dúvidas: “fomos a primeira indústria a fechar”. O editor conta que muitas marcas e empresas tomaram medidas mesmo antes do governo. “É um desastre para o setor, mas toda a gente diz: saúde primeiro”.

O governo holandês nomeou a indústria dos eventos como uma das que está a sofrer mais com a pandemia, e anunciou um grande pacote de medidas, nomeadamente crédito sem juros.

Um inquérito com 500 participantes mostra, conta-nos Sjoerd Weikamp, que a sensação geral é que “as coisas vão retomar a partir de setembro”. O editor acredita que as marcas e as instituições vão ser mais “cuidadosas” a organizar eventos com um grande número de pessoas. “Este vírus vai mudar muita coisa, mais do que conseguimos antecipar agora”.


Finlândia

Em relação à Finlândia, Heli Koivuniemi, da Eventolehti, o quadro é parecido. O setor foi muito atingido, e espera algum apoio monetário da “Business Finland”. Este apoio não vai é chegar aos trabalhadores independentes e freelancers. A editora admite que algumas empresas conseguirão salvar-se com alguma ajuda. “Juntamo-nos a grupo que está a negociar com o governo, porque não temos alianças suficientemente fortes para negociar por elas próprias”, diz Koivuniemi.

 

Cláudia Coutinho de Sousa

Foto: Reunião do júri de imprensa nos Bea World