Ana Machado: “Não existe espaço para uma vida rotineira”

Entrevista

24-10-2025

# tags: Eventos , Vida de Eventos

Ana Machado chegou à área dos eventos “da forma mais improvável” e é hoje CEO da Cardinal4events.

Ana Machado saiu de Portugal aos 23 anos, “meses após o início do estágio profissional na área de Sociologia”, em que se licenciou. Foi para a Suíça durante um ano e depois para Londres, “onde, em sete anos, realmente consolidei a nível académico e profissional a experiência neste mundo louco e imprevisível dos eventos”.

Para Ana Machado, duas pessoas marcaram esta caminhada. Uma delas é Johanne Jones, a sua gerente executiva em Londres, “quando me informou que eu só poderia progredir e ser uma boa profissional com uma frase que uso muito: ‘só vais conseguir liderar uma equipa ou algo, no dia em que souberes ser liderada’”.

A outra é José Carlos Coutinho, “que foi meu superior hierárquico, mas, acima de tudo, tornou-se um grande amigo, que me ensinou a diplomacia e classe sem perder a sanidade mental, que nesta área é testada quase diariamente”.

“Não é uma carreira fácil, mas é profundamente recompensadora”


Ana Machado defende, e é o que diz sempre às suas equipas, que “quem está nesta área tem de gostar e muito; não existe espaço para uma vida rotineira”, tendo em conta “a imprevisibilidade, o nunca haver um dia igual ao outro, o acordarmos e não sabermos de todo o que nos reservam as próximas 15 a 20 horas…”.

“Mas do que mais gosto e me motiva cada vez mais é aquele momento em que vemos a acontecer a magia, e isto independentemente de ser um evento para 20 ou para 20.000 pessoas, e a vozinha dentro de nós diz: ‘este está feito, siga para o próximo’. É uma mistura de paixão, caos controlado, noites mal dormidas e a sensação única de ver algo ganhar vida e emocionar pessoas. Não é uma carreira fácil, mas é profundamente recompensadora”, frisa.

Gerir a pressão e o stress típicos de um dia de evento “não é a tarefa mais fácil” – “implica desligar muitos botões e engavetar muitos assuntos para que seja mantida a postura, o foco e parecermos a pessoa mais segura e calma”, explica. “Mas a maturidade também ensinou a não dramatizar e a conseguir segurar a voz e a força interna e acalmar a impulsividade. E claro, a força dos meus que me apoiam e me aturam diariamente.”

Há hábitos ou superstições que podem ‘dar uma ajuda ao espírito’ antes de cada evento. Ana Machado confessa que já teve alguns “mais exagerados, como não usar determinadas cores ou adereços…”. Hoje é diferente. “Ultimamente respiro fundo. Acredito que isto é uma caminhada, dei o meu melhor, tenho as melhores pessoas e recursos comigo e acreditar! Quando acreditamos em nós, na equipa, nos parceiros e no voto de confiança dos clientes, é caminho certo para o sucesso”, afirma.

Coragem, persistência e visão periférica


Ana Machado diz ser “teimosa por natureza”, “muito sociável” e “curiosa”. Além disso, tem “a capacidade de estar sempre disposta a aprender e a escutar, e não ter medo de arriscar por adorar desafios”. Por isso, entende que, “se calhar, é na minha coragem, persistência e visão periférica que ganho a inspiração” para soluções inovadoras e criativas. Também, “sem qualquer dúvida, no apoio dos que me rodeiam diariamente”.

Até ao momento, o maior desafio que enfrentou como gestora de eventos “foi durante a organização de um evento protocolar de alto nível, que contou com a presença de membros da família real britânica”, que exigia “rigor extremo” e “precisão em todos os detalhes”. Até que, a poucos dias do evento, surge “uma alteração inesperada na agenda da comitiva real”.

“Como gestora, atuei de forma imediata em articulação com o protocolo oficial britânico e com as autoridades locais. Redesenhei o cronograma em tempo recorde, reorientei toda a equipa quanto às novas exigências e reforcei nas equipas a importância de atuar conforme a etiqueta real. Também mantive uma comunicação clara e discreta com os convidados, a fim de garantir fluidez e manter o prestígio do evento”, conta Ana Machado, que adianta que o “resultado foi extremamente positivo: o evento ocorreu sem atrasos, com elegância e sob elogios da comitiva real”.

Com esta experiência, aprendeu que, “em eventos de perfil institucional e diplomático, a capacidade de liderança sob pressão, a atenção aos detalhes e a habilidade para mediar com firmeza e diplomacia são fundamentais para o sucesso”.

“Às vezes, até as gafes podem fortalecer a conexão com o público”


Há dois eventos que Ana Machado gostava de voltar a repetir, “porque foi onde realmente descobri que estava no caminho certo”: a Tennis Week e o Salón Privé. E ambos no The Hurlingham Club, “onde descobri a paixão e vocação para esta área”.

Na indústria, há eventos marcantes, há momentos inesperados e há também ocasiões onde não falta boa disposição. Ana Machado conta que uma das “gafes mais divertidas” ocorreu num evento de gala “em que tudo estava muito elegante e milimetricamente organizado”.

“Eu estava com um rádio, a coordenar a equipa, e, num momento de folga rápida, fui dar uma olhada geral no salão. Sem perceber, fiquei bem próxima ao palco e comecei a dar orientações pelo rádio, dizendo: ‘Alguém troca aquela iluminação, está muito forte na mesa 7, parece que estão na final do The Voice!’.”

Como o microfone ambiente estava ligado, o comentário foi ouvido por todos os convidados. “Houve um segundo de silêncio constrangedor, seguido de uma gargalhada geral. Inclusive, a mesa 7 levantou a mão e entrou na brincadeira, pedindo palmas como se realmente fossem os finalistas”, refere.

E a situação “que tinha tudo para ser embaraçosa” passou a “momento divertido e espontâneo”, quebrando o gelo e aproximando os convidados da equipa. “Aprendi que, às vezes, até as gafes podem fortalecer a conexão com o público — desde que nós tenhamos leveza (e humildade) para rir também”.

“Abraçar e perceber a tecnologia, mas não esquecer o humano”


Para Ana Machado, nos próximos anos, a evolução dos eventos “será moldada por uma combinação de fatores tecnológicos, sociais, económicos e ambientais”.

Defende que os eventos híbridos e imersivos, a sustentabilidade e responsabilidade social, a personalização com dados e inteligência artificial; a segurança e saúde; os eventos descentralizados e comunitários; e a tecnologia de produção e transmissão são algumas das áreas, “onde, provavelmente, veremos mudanças mais significativas”.

Às novas gerações deixa “alguns conselhos práticos e estratégicos” que podem fazer a diferença: “ser multidisciplinar; abraçar e perceber a tecnologia, mas não esquecer o humano; ser proativo sempre e não esperar convites; aprender com os bastidores; ter consciência ética e sustentável; pensar global, agir local; aprender a aprender (rápido); e criar redes, não só contatos”, conclui.

© Maria João Leite Redação