Joana Santos Andrade: “Não é fácil, mas com dedicação e paixão tudo acontece”

Entrevista

08-11-2022

# tags: Eventos , Londres , Feiras , Passaporte Português

Este Passaporte Português pertence a Joana Santos Andrade, que é gestora e produtora de eventos. Trabalha em Londres, desde 2012.

Formou-se em Marketing Management e apaixonou-se pelo universo dos eventos. Durante seis anos trabalhou em Portugal – em agências como a Realizar Worldwide Events ou a UAU Produtora –, mas mudou-se para Londres, em 2012, para trabalhar nos Jogos Olímpicos. E desde então exerce a profissão na capital inglesa.

“Sempre gostei de trabalhar com pessoas e para pessoas. Quando terminei o curso de Marketing fui estagiar para o departamento de Relações Públicas do Metropolitano de Lisboa – onde se organizavam os eventos da empresa. Estávamos em 2004, na altura do Euro, e fizemos muitos mini eventos nas estações. Foi uma altura espetacular em Lisboa. Acho que a partir daí o bichinho ficou e resolvi aprender mais sobre este mundo dos eventos. Em 2006, decidi tirar um curso na Restart de Produção de Eventos”, conta Joana Santos Andrade.

A profissional adianta que, a partir daí, “começou a luta para entrar no mercado, com muito voluntariado em eventos”. E no evento das 7 Maravilhas do Mundo percebeu que esta era a carreira que queria seguir. “Neste evento conheci a equipa da Realizar, que me convidou para fazer o Festival dos Oceanos durante cinco anos, onde aprendi muito sobre a parte operacional dos eventos.”

Já nessa altura, Joana Santos Andrade falava em ir para Londres. Os Jogos Olímpicos estavam perto no calendário, mas, antes disso, não deixou de aceitar um convite da UAU. “Sou apaixonada por espetáculos, não podia dizer que não e voltei a adiar o sonho de ir para Londres.” Até que, já em 2012, chegou o momento do ‘agora ou nunca’. “E lá fui eu atrás dos Jogos Olímpicos, mesmo em cima do acontecimento. Consegui trabalhar para uma agência de patrocínios e tive a sorte de fazer parte da equipa de Hospitality da EDF, um dos principais patrocinadores. Foi uma experiência única – ‘I was living the dream’”, frisa.

Acabados os Jogos Olímpicos, a produtora de eventos decidiu ficar em Londres e “correr atrás do sonho”, apostando na sua carreira internacional. “Foi como começar a carreira do zero, com 30 anos. Foi duro, mas voltei a estudar e comecei a fazer muito networking para entrar no mercado inglês. Durante os primeiros tempos fiz muitos trabalhos como freelancer e, em 2014, devido a ser portuguesa e por falar português, consegui entrar num projeto na Copa do Mundo, no Brasil.”

E isso acabou por funcionar como um trampolim. “A partir daí, o meu CV foi muito mais bem recebido no Reino Unido. Já tinha experiência internacional. Em 2016, e novamente por ser portuguesa e falar português, fui trabalhar para a Reed Exhibitions, num evento que eles têm no Brasil, a in-cosmetics Latin America. Foi onde descobri o mundo das feiras de negócios, área na qual ainda me encontro hoje em dia.” Depois de passar por várias empresas, Joana Santos Andrade chegou à Clarion Gaming, onde é atualmente gestora e produtora de eventos. “Como em qualquer área, o início é sempre duro e complicado, mas se não desistirmos chegamos lá.”

“Ver o sorriso das pessoas faz valer todas as horas sem dormir”


Joana Santos Andrade sempre gostou muito de eventos. “Desde miúda que ir a um espetáculo era sempre bom e a experiência que vivi na Expo’98 com 16 anos, enquanto público, sempre me fez gostar desta área.” E quando começou a trabalhar na indústria, o que mais a atraiu foi a possibilidade de “criar experiências e momentos únicos que as pessoas guardam para sempre”. Afinal, “ver o sorriso das pessoas faz valer todas as horas sem dormir para pôr um evento de pé!”

E foi também desde cedo que mostrou vontade de trabalhar a nível internacional. “Sempre disse que um dia viveria nos Estados Unidos e, já na altura, falava em estudar Relações Internacionais. Acabei por tirar Marketing e ficar em Londres.”

O principal desafio de trabalhar em Inglaterra foi “perceber a cultura inglesa”. A profissional portuguesa explica: “Quando trabalhamos numa equipa internacional, onde somos todos estrangeiros, compreendemo-nos melhor, pois temos uma perceção diferente e sabemos que temos culturas diferentes. Mas, por vezes, se a equipa é 100% inglesa e tem pouca ‘cultural awareness’ a comunicação pode perder-se e certos comportamentos podem ser mal interpretados. Muitas vezes, tenho que deixar de lado a minha veia latina e ser mais inglesa.”

Ainda assim, Joana Santos Andrade não tem dúvidas que ser portuguesa é uma mais-valia. “A flexibilidade que nós temos é muito bem recebida na cultura inglesa e o facto de saber falar outros idiomas abriu-me portas, como, por exemplo, para trabalhar na Copa no Brasil, em 2014, ou na in-cosmetics Latin America. E também ajuda quando competimos para lugares de empresas que trabalham a nível internacional”, sustenta.

E exemplifica: “Uma vez em Cannes durante as montagens do ILTM Cannes estávamos com um problema com uns fornecedores espanhóis e ninguém falava inglês. Quando eu tentei ajudar e falei o meu ‘portunhol’, mudaram logo de atitude e ficaram os meus melhores amigos. O que, na altura, estava a ser um problema foi resolvido rapidamente.”

A capacidade de trabalho e de improviso são características em que se revê. “Fazem parte de mim. Quando se trabalha em eventos, principalmente na parte operacional, temos que amar o que fazemos, pois dedicamos muitas horas da nossa vida ao nosso trabalho. Temos também que saber improvisar, pois, por vezes, somos postos à prova no meio de um evento e temos que arranjar soluções naquele exato momento. E o evento não pode parar.”

“Mesmo no meio do caos a coisa acontece sempre”


Para Joana Santos Andrade, a maior diferença que encontrou entre o mercado nacional e o britânico foi ao nível dos budgets. “No Reino Unido, as empresas têm orçamentos para eventos que poucas empresas em Portugal têm. E isso, tanto como organizador ou como fornecedor, faz uma grande diferença. Em Portugal temos que ser mais criativos para criar aquele ‘wow’, mas com menos, o que por um lado torna a coisa mais desafiante.”

Além disso, continua, “a outra diferença foi encontrar empresas que trabalham a nível internacional. Apesar de os escritórios serem em Londres, organizam eventos pelo mundo inteiro. Hoje estou a planear um evento na Europa e amanhã já estamos com um projeto na Ásia”. De qualquer forma, “sinto que Portugal está ao mesmo nível do mercado internacional no que respeita a fornecedores e profissionais. Somos muito bons no que oferecemos e como trabalhamos. Mesmo no meio do caos a coisa acontece sempre!”, ressalva. 

Joana Santos Andrade trabalhou em diferentes projetos e inúmeros eventos, de variados tipos e dimensões, e essa experiência e flexibilidade podem ser um forte contributo para o seu crescimento pessoal e profissional. “A nível pessoal, ajudou-me a lidar com diferentes tipos de pessoas e aprender a saber lê-las melhor”, explica.

Já no capítulo profissional, Joana Santos Andrade lembra que, “em Portugal, quando trabalhamos em eventos faz-se de tudo um pouco”.  “Isso foi-me questionado muitas vezes em entrevistas no Reino Unido, como é que eu já tinha feito tantos tipos de eventos – no Reino Unido, muitos profissionais dos eventos só fazem um tipo de eventos; por exemplo, se trabalho em feiras, faço carreira nessa indústria… Mas eu sempre vi isso como uma mais-valia, pois em cada tipo de evento aprendemos algo novo que podemos trazer para eventos futuros, quer na parte criativa quer nos processos de planeamento.”

Essas características foram muito úteis nos últimos dois anos, que foram muito desafiantes para a indústria dos eventos. Os tempos de pandemia “foram tempos estranhos, em que a capacidade de improviso e a flexibilidade me ajudaram muito”, diz, acrescentando que, “quando os eventos foram cancelados, voltamo-nos para os eventos virtuais e tivemos que adaptar a nossa função aos novos desafios. Ao mesmo tempo, continuamos a planear eventos físicos que talvez fossem acontecer e que estavam em constante mudança, devido às regras que eram impostas pelos governos e venues do país onde o evento ia acontecer”.

Joana Santos Andrade partilha que “houve alturas de muita frustração”, mas que estava, ao mesmo tempo, com uma atitude positiva, “pois continuava a planear eventos e, felizmente, tenho uma equipa extraordinária, apoiamo-nos muito uns nos outros”. Em suma, “foram momentos desafiantes, no sentido de planear o desconhecido e com demoras longas por parte de todos os fornecedores, pois estavam todos em layoff, mas foi uma questão de ter vários cenários e, na altura, usar o que melhor se adaptava”.

“‘Networking is key’ e abre muitas portas”


O percurso profissional de Joana Santos Andrade é já longo e vai somando momentos marcantes. A profissional destaca alguns dos momentos altos da sua carreira. “Quando trabalhei nas 7 Maravilhas do Mundo e percebi que era com eventos daquela dimensão que eu queria trabalhar; o Festival dos Oceanos, pela grande escola que foi; a vinda para Londres e conseguir trabalhar nos Jogos Olímpicos; quando consigo, em 2014, um contrato para trabalhar no Brazil Football World Cup e provar a mim mesma que estava certa em ter ficado em Londres; e quando entrei, em 2016, para a Reed Exhibitions e descubro o mundo das feiras de negócios, indústria onde ainda hoje trabalho…”

Relativamente ao evento que mais a marcou, destaque para o Danone Nations Cup, “um mini Football World Cup para miúdos dos 9 aos 12 anos”. “Tínhamos miúdos do mundo inteiro. Alguns nunca tinham viajado na vida e ver a alegria daquelas crianças todos os dias, porque estavam a fazer o que mais gostavam, jogar futebol, foi mágico. Durante uma semana tivemos o torneio na Universidade de Surrey e a final foi em Wembley. Quando ainda no autocarro os miúdos começaram a ver o estádio de Wembley, a alegria deles é inexplicável. Foi um evento que adorei fazer”, sublinha.

Estas emoções têm-se vindo a somar ao longo dos tempos e à medida que Joana Santos Andrade vai cumprindo o seu sonho de trabalhar a nível internacional. Para os que também querem ir para outro país trabalhar nesta área, a profissional deixa um conselho. “Se estão a começar, a melhor forma é tirarem um curso para conhecer a indústria do país para onde vão, como funciona e quem é quem na indústria. Pesquisem se há associações de profissionais de eventos e façam parte dela. ‘Networking is key’ e abre muitas portas.”

Além disso, deixa a dica para que os interessados visitem as feiras IBTM e IMEX. “Pesquisem se há feiras no país para onde vão. No Reino Unido existem várias. Não é fácil, mas com dedicação e paixão tudo acontece!”, adianta.

Quando questionada sobre se regressar a Portugal faz parte dos seus planos, Joana Santos Andrade afirma que “gostava muito de voltar”, já que “as saudades da família, da minha Lisboa e do nosso sol, não diminuem, aliás, só aumentam”. A profissional lembra que está há 11 anos no Reino Unido, que tem sido “espetacular”, mas que “o nosso país é sempre o nosso país”. “Gostava de voltar e de partilhar a minha experiência com quem quer entrar nesta indústria e ajudar a quem quer dar o salto como eu dei”, conclui.

© Maria João Leite Redação