Julius Solaris: “As pessoas precisam de eventos mais do que nunca”

Entrevista

20-10-2025

# tags: Tendências , Eventos , Tecnologia

Julius Solaris, conhecido influenciador da indústria dos eventos, foi o keynote speaker do Oasis Connection, um evento brasileiro, promovido pelos especialistas em eventos Vanessa Martin, articulista da Event Point, Robson Lisboa e Vanessa Chiarelli Schabbel.

Foram três dias intensos de troca, inspiração e conexões reais, que juntaram gestores de eventos corporativos e de experiências, líderes de agências de comunicação e criadores de ativações e profissionais com alto poder de decisão e influência.

Reconhecido globalmente como líder em inovação e estratégia na indústria de eventos, inspirando e capacitando profissionais de todo o mundo, Solaris concordou em falar à Event Point, à margem do evento.

Na sua opinião, qual é a tendência mais sobrevalorizada na indústria dos eventos atualmente?

Acho que há um esforço para encontrar o truque mais inteligente através da tecnologia e das ativações, especialmente quando se trata de hardware, tecnologia física. Sinto que são sempre muito confusas. Tentam sempre fazer alguma coisa, mas raramente impressionam. Há um desejo dos profissionais de eventos de parecerem tecnológicos, de parecerem avançados, em vez de pensarem na essência do que fazemos e no facto de as pessoas estarem ali para estar com pessoas. Nem todas as acrobacias tecnológicas são necessariamente excitantes. Quando os seres humanos estão envolvidos, por exemplo, quando brincam uns com os outros, fazem coisas uns com os outros, estão muito mais comprometidos do que, por exemplo, quando tocam em ecrãs ou coisas desse género. São apenas artifícios.

E qual é a tendência mais subvalorizada neste momento?

Se pensarmos no que tem realmente impacto, do ponto de vista do organizador, penso que é a seleção dos destinos para os eventos. É provavelmente a decisão mais consequente que vai tomar, especialmente para o orçamento. Por isso, tem havido sempre esta conversa sobre destinos de nível dois, especialmente nos EUA, mas também em todo o mundo. E penso que os organizadores de eventos e os profissionais começam a pensar: onde é que posso criar uma melhor experiência para o meu público? Numa cidade que apoie uma melhor experiência, que ligue melhor as pessoas umas às outras, em vez de as levar para os suspeitos do costume.

Como vê o panorama político a que estamos a assistir neste momento, sobretudo nos Estados Unidos? Tem alguma opinião sobre o assunto?

Penso que aquilo a que estamos a assistir neste momento nos EUA, estamos a assistir em muitos, muitos países. Infelizmente, no que se refere aos aspetos negativos, trata-se, definitivamente, de uma tendência global. Os EUA são apenas o exemplo mais proeminente. Sou italiano, por isso conheço muito bem esta realidade. Não quero estigmatizar ninguém. Agora, obviamente, sempre que as viagens são afetadas, sempre que a capacidade de ir e participar em eventos ou viajar para turismo é afetada, como indústria, sofremos. E isso é inevitável. Em Las Vegas, o turismo baixou substancialmente, 13% em relação ao ano passado. Este não é um bom sinal para o nosso setor.

Obviamente, os EUA são um mercado enorme, pode ser autossustentável. Mas para alguns tipos de eventos, eventos orientados para associações, conferências médicas, é preocupante. No entanto, a boa notícia é que a pandemia nos ensinou que temos sempre de fazer os planos B e C, certo? Não estamos no negócio de ser pessimistas nesta indústria. Caso contrário, não faríamos eventos. Sabemos que alguma coisa vai correr mal. Sabemos que há sempre um orador que não vai aparecer. Por isso, a boa notícia é que, em primeiro lugar, tivemos uma pandemia que nos ensinou a fazer eventos virtuais, que podem complementar experiências presenciais. Mas também passámos por uma das piores inflações dos últimos anos e por dois conflitos globais. Agora um terceiro, certo? No entanto, os eventos têm sido prolíficos. No passado, sempre que havia uma crise, os eventos eram os primeiros a ser cortados. E isso já não está a acontecer. Por isso, são boas notícias. As pessoas precisam de eventos mais do que nunca. Por isso, aconteça o que acontecer, temos de nos adaptar. No final do dia, a necessidade de ligação humana ultrapassa atualmente tudo e mais alguma coisa. É quase como o antídoto para a tecnologia, as redes sociais e a IA.

E será que estamos a conseguir realizar os eventos que os participantes esperam? O que torna um evento verdadeiramente memorável para o público?

Eu estou no Brasil e acabei de assistir a uma sessão, uma ótima sessão sobre IA, blockchain e o futuro. Não me vou lembrar de uma única palavra que tenha sido dita lá. Vou lembrar-me das pessoas com quem me relacionei. Mas isto não é um retrato estereotipado da importância das pessoas e da ligação humana. Para o tornar real significa que temos de planear os eventos de forma a maximizar a ligação. E garantir que as pessoas têm a oportunidade de se juntarem, de aprenderem umas com as outras, de aprenderem com especialistas, de aprenderem sobre empresas e marcas e de fazerem negócios, o que é fundamental para o setor dos eventos empresariais. Não esqueçamos que os eventos empresariais são sobre negócios, não apenas eventos.

No passado, confiámos na serendipidade como uma estratégia. A serendipidade não é uma estratégia. A serendipidade é a antítese do planeamento. Portanto, se planearmos os eventos, estruturamos a serendipidade, maximizamos a serendipidade. Bem, por vezes esquecemo-nos que esperamos que as ligações aconteçam na pausa para o café. Bem, porque é que não estão a estruturar isso? Porque não fazer da pausa para o café uma oportunidade de ligação estruturada. Pensar dessa forma, penso eu, cria muito mais oportunidades para um evento moderno.

Não falou de conteúdo... Já não é assim tão importante?

Isto é o que a investigação diz, certo? Eu como orador nem devia estar a dizer isso (sorriso). Estamos a enfrentar a maior mudança geracional de sempre na população ativa. Após a pandemia, a Geração X e os Baby Boomers já não frequentam eventos tanto como os Millennials e a Geração Z. Por conseguinte, há todo um novo público que, sim, onde o conteúdo é importante, mas obtêm conteúdo de um milhão de maneiras diferentes. Portanto, o conteúdo tem um papel, ainda tem um papel. É o conteúdo que vai pagar as contas. Se um chefe tiver de aprovar a ida de alguém a um evento, precisa de ver a agenda. Precisa de ver quem vai falar. Mas o tipo de conteúdo que as pessoas querem é muito prático. É muito orientado para a ação e é também um meio de ligar mais as pessoas, de ter sessões onde as pessoas se podem juntar. Há um moderador, há um orador que faz parte da conversa. E essa conversa torna-se imediatamente mais significativa.

Se tivesse de adivinhar uma grande mudança que irá redefinir o setor dos eventos nos próximos anos, qual seria?

Venho da tecnologia de eventos, por isso a parte tecnológica é sempre algo a que estou atento. Todas as empresas de tecnologia que existem atualmente no setor dos eventos vão desaparecer ou ser completamente redefinidas. Nos próximos dois anos, sem dúvida. Qualquer que seja a tecnologia que utilizamos atualmente na indústria dos eventos, tratam-se de folhas de cálculo Excel com esteróides. Não há nada de inteligente no conjunto de tecnologias para eventos que temos, zero. Algumas empresas, é óbvio que estão a tentar inovar.

Em termos de IA, acha que já a estamos a utilizar bem? Como é que vê o impacto da IA nos eventos? Será na medição? Na organização? Na logística?

Neste momento, a maior utilização da IA é o conteúdo e o marketing, que é provavelmente a pior utilização que se pode fazer da IA neste momento, honestamente. Especialmente se estiver a planear sessões, já vi descrições de sessões feitas com IA, o que é muito, muito mau. É a pior coisa que se pode fazer. Está a dar o seu produto à IA sem qualquer compreensão crítica do que está a acontecer. Estas são sessões que precisam de atrair pessoas. Mas as oportunidades de dar sentido aos dados, mais uma vez, para um público que não é amigo dos dados, são imensas. Pense em milhares de formulários de feedback que normalmente estão ali parados sem qualquer ação. Podem tornar-se imediatamente uma fonte de inspiração para o seu próximo evento. A parte da análise dos dados, que tradicionalmente tem faltado no setor, é a maior oportunidade de crescimento. Ponto final. Não há dúvidas quanto a isso.

Depois, há também as oportunidades de conteúdo. O intercâmbio que temos, a captação desse conteúdo, quer se trate de uma sessão, quer se trate de uma interação num stand. O que é que acontece com isso? Normalmente, é o vendedor que precisa de tomar notas, tirar uma fotografia do cartão de visita, voltar ao escritório e talvez lembrar-se de o colocar no CRM. Agora, tudo pode ser automatizado, imediatamente enviado, imediatamente avaliado e imediatamente priorizado. Isso vai ajudar os eventos a serem mais mensuráveis e impactantes.