O protocolo como ferramenta ao serviço da diplomacia
19-11-2025
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Sílvia Mangerona vai orientar a sessão dedicada ao Protocolo e Diplomacia, nas Jornadas Internacionais do Protocolo, da APorEP.
Politóloga, investigadora e professora universitária, Sílvia Mangerona vai abordar o reconhecimento do protocolo como instrumento da diplomacia e dar testemunho da sua investigação na área do Protocolo, Diplomacia e Segurança, contou em entrevista à Event Point.
As XX Jornadas Internacionais de Protocolo, da APorEP (Associação Portuguesa de Estudos de Protocolo), decorrem a 26 e 27 de novembro, no Grande Auditório Jerónimo Martins, na Nova SBE – Campus de Carcavelos.
Qual é o papel do protocolo diplomático na organização de eventos internacionais e oficiais, e como é que ele contribui para o sucesso das relações institucionais?
O sucesso das relações institucionais – nacionais e internacionais – está diretamente relacionado com a aplicação das várias áreas do protocolo. O protocolo como conjunto de procedimentos alicerçados no bom senso, no respeito, no cerimonial e nas normas jurídicas aplicáveis, torna-se um elemento fundamental para as relações diplomáticas e institucionais. O protocolo é uma ferramenta ao serviço da diplomacia, assim como, a diplomacia é uma ferramenta ao serviço da política externa. Desta forma, podemos afirmar que o protocolo é, também, uma disciplina normativa que atua nos procedimentos cerimoniais e diplomáticos tornando-os padrões culturais e virtudes de relacionamentos sociais e políticos.
Os eventos internacionais, principalmente os que reúnem entidades oficiais, são muito exigentes do ponto de vista da realização, da eficácia e da segurança. As equipas do protocolo e da segurança devem atuar em parceria, já que ambas procuram a previsibilidade dos atos, a antecipação de constrangimentos e o afastamento de conflitos de forma a manterem a dignidade e a ordem dos eventos.
Como é que o protocolo ajuda a equilibrar sensibilidades culturais e hierarquias diplomáticas em eventos que envolvem representantes de diferentes países?
Do ponto de vista diplomático, as relações entre os Estados – bilaterais e/ou multilaterais – estão alicerçadas na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 1961. Este tratado sobre Relações Diplomáticas constitui, ainda hoje, o suporte normativo internacional para dar forma e regras à representação e relações externas. Também o Protocolo Internacional tem por missão descodificar os vários modelos culturais dos diferentes países de forma a articular diferentes costumes e tradições. Assim, as normas internacionais e o estudo dos modelos culturais dos vários países orientam os procedimentos e as diligências que facilitam o decorrer das cerimónias; agilizam a relação entre as pessoas, empresas, instituições e entre os Estados. Podemos afirmar que protocolo funciona como uma ferramenta de equilíbrio na gestão de diferentes sensibilidades culturais – é um facilitador pacifista.
Quais são os principais desafios na coordenação de precedências e tratamento de convidados em eventos com múltiplas delegações?
As precedências são hierarquias definidas pela tradição e pela lei. O protocolo não as estabelece, mas reconhece-as, sistematiza-as e aplica-as. Em Portugal, a Lei n.º 40/2006, de 25 de agosto – Lei das precedências do Protocolo do Estado Português – no Artigo 7.º elenca as 58 posições das entidades oficiais do nosso país. Quando se trata de organização de eventos internacionais que impliquem várias delegações, as equipas do protocolo têm como missão articular o cumprimento da lei com os desafios específicos do evento.
Quando um evento tem de incorporar várias delegações, a equipa do protocolo tem de ter em conta a própria ordem de precedências do corpo diplomático que hierarquiza as delegações de acordo com a data da entrega das credenciais ao Chefe de Estado do país de acolhimento. Depois destas exigências, há ainda modalidades de alinhamento protocolar que tem como objetivo uma aceitação pacífica das partes envolvidas como é o caso da aplicação da precedência por ordem alfabética ou por antiguidade.
“Protocolo é, também, comunicação”
Pode dar exemplos de ocasiões mediáticas em que houve problemas por falta de aplicação de protocolo e diplomacia?
As diligências da política externa dos Estados têm, infelizmente, muitos casos de falhas no cumprimento do protocolo. No entanto, é com alguma satisfação que podemos afirmar que nem todas elas tiveram consequências diplomáticas relevantes. A quebra de relações diplomáticas apresenta-se sempre como o último reduto e a atividade diplomática ainda é um instrumento de moderação, de negociação e de diálogo. Mas, de forma mais ou menos intencional, as quebras no protocolo tornam-se muitas vezes mediáticas pelo evidente desconforto que suscitam e pelas mensagens que traduzem. Protocolo é, também, comunicação. As escolhas no ato dos encontros ou cerimónias (de cenários, símbolos, precedências, trajes ou palavras) produzem leituras sociais e políticas relevantes.
Estou a recordar-me do famoso episódio do “sofagate” a 6 de abril de 2021, na Turquia, quando o Presidente Erdogan recebe Charles Michel, Presidente do Conselho Europeu, e Ursula von der Leyen, a Presidente da Comissão Europeia, no Palácio Presidencial para debater o futuro das relações entre a União Europeia e a Turquia. A falta de sensibilidade das equipas do protocolo que não disponibilizaram lugares de igual dignidade protocolar levou ao incómodo de Ursula von der Leyen, que terá sido remetida para um lugar secundário na sala. O caso torna-se particularmente mediático pela visível reação de desconforto e desagrado da Presidente da Comissão Europeia e pela imediata interpretação de que poderia ter sido intencional, tendo em conta a forma como os direitos das mulheres são colocados em causa na Turquia e pela decisão do Presidente Erdogan em sair – em março de 2021 – da Convenção de Istambul.
Como é que o protocolo pode reforçar a imagem e o posicionamento internacional de uma instituição ou país através da organização de eventos diplomáticos bem-sucedidos?
Os sucessos dos eventos diplomáticos são os sucessos dos Estados. E um Estado para manter a sua soberania não pode abandonar as boas relações externas onde os Estado alinham no Direito Internacional como iguais, nem pode descuidar da sua imagem interna de forma a manter a dignidade e a ordem. Mas, o bom funcionamento e a boa imagem dos eventos diplomáticos não se reduzem apenas às cerimónias das instituições do Estado. Atualmente, os atores diplomáticos também têm protagonistas privados constituindo um enorme desafio do ponto de vista da comunicação global. Eventos como a Web Summit ou Tribeca Festival são, entre outros mais evidentes, exemplos de eventos com grande dimensão diplomática e promocional de um país.
Pode contar-nos um pouco sobre o que vai falar nas Jornadas de Protocolo? Quais as mensagens mais importantes?
Claro. A minha apresentação nas XX Jornadas Internacionais de Protocolo terá por título ‘Protocolo e Diplomacia’. Curiosamente, o mesmo nome de uma unidade curricular que criei, há mais de uma década, no Mestrado de Diplomacia e Relações Internacionais da Universidade Lusófona e que tem suscitado muito interesse por parte dos alunos. Falarei do reconhecimento do protocolo como instrumento da diplomacia e de como se pode comprometer as relações políticas e diplomáticas descurando o seu cumprimento. Darei testemunho da minha investigação na área do Protocolo, Diplomacia e Segurança e, principalmente, irei reiterar o enorme reconhecimento e admiração que tenho pelo trabalho desenvolvido por esta associação ao longo destes últimos 20 anos.
Registo por aqui, também, os parabéns que irei endereçar à presidente Isabel Névoa Tavares e a toda a direção da Associação Portuguesa de Estudos de Protocolo e o agradecimento especial que farei à presidente emérita Isabel Amaral pelo legado que deixa no estudo e na prática do protocolo em Portugal. Vida longa à APorEP!
© Cláudia Coutinho de Sousa Redação
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