Susana Correia: “Manter o bom senso e a calma faz toda a diferença”

Entrevista

31-10-2025

# tags: Eventos , Vida de Eventos

Susana Correia, diretora de turismo, retalho e experiência do cliente na Livraria Lello, acredita que, em momentos exigentes, “manter o bom senso e a calma faz toda a diferença”.

A sua história, refere, “não será muito diferente da de outros profissionais da área: começamos por ‘só espreitar’... e acabamos por ficar para o jantar, para a festa e até ajudar a arrumar no fim”.

Tudo começou, após o curso superior, com um estágio numa quinta onde se realizavam eventos sociais. “Era um contexto muito prático e intenso, que me desafiava constantemente e rapidamente percebi que aquele ritmo acelerado e imprevisível era a minha cara.”

O resto do caminho desenrolou-se “de forma muito orgânica”, contactando “com players de todo o mundo” e aprendendo com parceiros nacionais e internacionais – o que foi enriquecedor e “contribuiu para uma abordagem mais versátil”.

Também “o desenvolvimento do turismo no Porto e a crescente consolidação da cidade como destino de referência para eventos foram fatores determinantes para o meu crescimento profissional”. Este contexto “abriu portas a novos desafios e oportunidades”, conta.

Dos maiores desafios até ao momento destaca a entrada no ensino – na pós-graduação em Gestão de Eventos da Porto Executive Academy (PEA), que lhe exige “reflexão, clareza e uma responsabilidade acrescida” – e a recente mudança de “casa profissional”, depois de “duas décadas numa casa que conhecia por dentro e por fora”.

A integração na equipa da Livraria Lello foi uma mudança que, “naturalmente, exige adaptação, escuta e uma nova leitura do setor. Mas também me tem permitido olhar para o turismo e para os eventos com outros olhos, com uma visão mais estratégica e focada na experiência de quem nos visita. É realmente muito desafiante e muito enriquecedor”, afirma.

Susana Correia adianta que há imensos colegas que a inspiram diariamente e a quem deve “imensas lições e partilha”, mas realça Isabel Ardions como uma “figura central” no seu percurso. “Acompanha-me desde 1998 e, além de ser uma referência académica, é uma inspiração constante pela forma como pensa os eventos, os processos e as pessoas”, frisa. “Tê-la por perto foi, e continuará a ser, uma sorte e uma motivação extra para continuar a evoluir.”

“Grande parte do sucesso está no que acontece antes do evento começar”


Considerando-se uma “pessoa naturalmente criativa e otimista”, acredita que “a criatividade também se cultiva”. “Tento manter uma postura curiosa, observar o mundo com atenção, inspirar-me nas conversas com diferentes pessoas. Muitas vezes, as ideias mais interessantes nascem de ligações improváveis”, avança.

Do que mais gosta nos eventos, e que é também uma motivação, é o facto de estar “em constante movimento”. “Nenhum dia é igual ao anterior, e isso obriga-nos a estar sempre a pensar, a adaptar, a criar. Gosto especialmente do foco na solução, da capacidade de nos reinventarmos com os recursos que temos, por vezes limitados, mas que nos desafiam a ser ainda mais criativos. Há também algo de muito gratificante na forma como lidamos com o imprevisto: a agilidade, o sangue-frio, e depois vermos tudo a acontecer. E, acima de tudo, gosto da ligação direta ao impacto real do que fazemos e das decisões que tomamos”, explica.

Susana Correia lida com o stress “através do humor” – “uma ferramenta poderosa que ajuda a relativizar sem desvalorizar, cria leveza e reforça os laços e a confiança”. “Claro que há momentos exigentes e críticos”, continua, “mas acredito que manter o bom senso e a calma faz toda a diferença. Tenho também uma postura muito prática e focada: em vez de ficar presa ao problema, tento sempre ir direta à solução, com clareza e empatia”.

Não tem nenhum hábito específico nem superstições antes de um evento. Tenta “apenas garantir que tudo está alinhado, rever os detalhes e preparar-me. Na verdade, acredito que grande parte do sucesso está no que acontece antes do evento começar. Quando essa base está bem montada, é mais fácil lidar com o que vier e manter o foco no que realmente importa”.

Criar “memórias autênticas” nos “instantes inesperados”


Do caminho, destaca como evento mais marcante o Climate Change Leadership Summit, que decorreu em julho de 2017, no Porto, e que contou com a presença de Barack Obama.

“Foi um projeto extremamente exigente, com inúmeros constrangimentos e limitações, sobretudo ao nível da segurança, que exigiram uma preparação meticulosa e uma grande capacidade de adaptação”, recorda, considerando que este foi, “sem dúvida, um dos grandes momentos do meu percurso pela dimensão, pela responsabilidade envolvida e pela sensação de missão cumprida”.

Susana Correia usa o humor “de forma natural” no seu dia-a-dia. “É quase instintivo e tem sido uma ferramenta importante para criar ligação com as equipas, aliviar tensões e tornar o trabalho mais leve, mesmo nos contextos mais exigentes.”

Assim, admite, “muitos dos momentos mais hilariantes acabam por ter a minha mão... geralmente por causa de alguma piada fora de tempo ou por aquele meu jeito um pouco desajeitado. Mas é precisamente nesses instantes inesperados que se criam memórias autênticas e histórias que nos acompanham muito para além dos eventos”.

“O saber técnico é importante, mas o que faz a diferença é a atitude”


Susana Correia vê os eventos como “um setor em constante evolução, onde temas como a tecnologia, a sustentabilidade ou a inovação vão continuar a estar no centro das nossas atenções”.

Contudo, acredita que “o verdadeiro diferencial, nos próximos anos, estará na forma como conseguimos contribuir para a formação e o desenvolvimento de profissionais realmente preparados”.

“Temos uma responsabilidade real enquanto setor: ajudar a formar quem vem a seguir, não apenas na técnica, mas também na forma de pensar, de se adaptar, de decidir sob pressão. Os eventos continuarão a exigir respostas rápidas e eficazes, mas o que vai distinguir os melhores será a maturidade emocional, a capacidade de resiliência e o foco na solução. É preciso preparar quem está a começar para os dias bons e também para os dias difíceis. E isso faz-se com orientação, com espaço para crescer e com o exemplo certo. Mais do que nunca, será esse lado humano que fará a diferença”, sublinha.

Às novas gerações, Susana Correia deixa alguns conselhos: “Não tenham medo de errar, mas procurem sempre perceber o que podem melhorar. O saber técnico é importante, mas o que faz a diferença é a atitude: a capacidade de se adaptar, de pensar de forma autónoma, de manter a calma no caos e, acima de tudo, de trabalhar em equipa.”

E remata: “Aproveitem cada oportunidade como um momento de aprendizagem e rodeiem-se de quem vos inspire e desafie. E, se puderem, levem também algum sentido de humor no bolso. Vai dar jeito.”

© Maria João Leite Redação