Sustentabilidade em palco, incoerência nos bastidores

Opinião

03-12-2025

# tags: Eventos , Congressos , Sustentabilidade

A sustentabilidade deveria ser preocupação, compromisso e prática obrigatória em todos os eventos, mas, há que o reconhecer, ainda a procissão vai no adro… 

Espero que, mais cedo do que tarde, passe, pelo menos, a ser uma preocupação transparente e verificável nos eventos financiados com dinheiros públicos, direta ou indiretamente. Quando assim for, já percorreremos, de uma só assentada, algumas ruas da paróquia.

Seria um bom sinal para o mercado e, acima de tudo, uma forma de introduzir critérios de diferenciação positiva no acesso a apoios públicos — tornando a sustentabilidade condição obrigatória desde logo, e fator maximizador em função do grau de empenho e das evidências apresentadas, como certificações reconhecidas.

Curiosamente, mesmo naqueles eventos em que a sustentabilidade não é ainda uma prática efetiva na sua organização, vemos por vezes o tema a ser tratado em palco. “É um princípio”, diria o otimista, haja coerência e façam o que pregam, digo eu!

Faz-me lembrar uma conferência sobre sustentabilidade em que, sobre as mesas de apoio aos oradores, estavam garrafas de plástico alinhadas à vista de todos. Não foi a primeira, nem certamente será a última vez que presenciei (e denunciei, ‘by the way’) semelhante episódio. Não foi falha direta do promotor, mas é, sem dúvida, uma omissão por não ter tido o cuidado de transmitir diretrizes claras aos organizadores sobre o que é — e o que não é — aceitável num evento, tenha ou não sido apresentado como sustentável. (uma ocasião inocente para apelar a que contratem profissionais externos de sustentabilidade…).

Nesta reflexão, refiro-me a todo o tipo de eventos, desde congressos, conferências, lançamentos e feiras (sobre estas… muito há a dizer sobre as toneladas de desperdício que ainda geram), que deveriam assegurar medidas mínimas para reduzir a sua pegada, compensá-la ou, idealmente, torná-la regenerativa.
Mas quando falamos daqueles eventos que têm a própria sustentabilidade como tema central, e que deveriam obviamente ser o exemplo acabado de um evento sustentável, quantas vezes não assistimos a casos óbvios de “em casa de ferreiro, espeto de pau”?

Convém dizer, antes que venham daí os apupos, que não sou, de todo, contra os eventos — longe disso e muito pelo contrário. Há momentos presenciais que são fulcrais para o desenvolvimento dos negócios. Mas confesso que me causam estranheza os eventos que ainda não são minimamente sustentáveis, e muita urticária aqueles, ‘sobre sustentabilidade’, que são, eles próprios, uma falácia. Porque isso revela, em regra, a forma como os seus promotores encaram o tema. Se não são conscientes destas matérias, como poderiam preocupar-se verdadeiramente com estas questões nas suas organizações?
Já há, felizmente, esforços genuínos. Muitas organizações implementam medidas de redução de resíduos, promovem transportes públicos, optam por catering local ou digitalizam programas para reduzir papel. Há entidades com reputações imaculadas, que definiram critérios específicos para a gestão sustentável de eventos e que hoje servem de referência internacional.

Mas há também, infelizmente, contradições difíceis de ignorar. No ano passado, a COP29, realizada em Baku, foi apontada como “a conferência climática com a maior pegada de carbono de sempre”, segundo várias fontes do setor ambiental. É um exemplo de como até os encontros dedicados à luta climática podem falhar no essencial: reduzir o seu próprio impacto. A deste ano, estamos para ver… mas a fasquia da coerência continua muito baixa.
Voos intercontinentais, infraestruturas temporárias e consumo energético elevado continuam a marcar presença — mesmo em nome do planeta. No mínimo, que sejam compensados.

Cá pelo burgo, não somos assim tão diferentes.

Ainda é frequente ver eventos “verdes” em locais sem acesso por transporte público, coffee-breaks servidos em copos e pratos descartáveis, brindes embrulhados em plástico e montanhas de banners que acabam no lixo logo após o encerramento. E, noutros casos, a incoerência é mais subtil — como painéis sobre transição energética iluminados por projetores de alta potência, ou convenções que falam de inclusão, mas ignoram a acessibilidade dos participantes.

Tudo isto mostra que, por cá, o caminho até à coerência ainda é longo.

Ser sustentável não é só um tema; é uma prática. E os eventos que se apresentam como exemplo têm de o provar — nas suas escolhas, na sua logística e na forma como inspiram os outros a fazer melhor.

Não é falar (ou, por vezes, até premiar) sustentabilidade com festas glamorosas em que se esgotam todos os créditos que porventura se tinham conquistado.

Compreendo o marketing e as relações-públicas, claro está — sou até o primeiro a reconhecer a importância de comunicar. Mas, for humanity’s sake, façam-no de forma sustentável.

Se queremos um setor credível, não basta falar de sustentabilidade — é preciso… fazer sustentabilidade.

Porque, no fim do dia, os discursos apagam-se da memória, tal como as luzes (por falar nisso, as LED também consomem energia), mas as pegadas ficam.
Pense sustentabilidade.


© Paulo Brehm Opinião

Consultor em sustentabilidade

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