Tradução simultânea vs. tradução em tempo real com IA

Opinião

21-10-2025

# tags: Inteligência Artificial , Eventos , Tecnologia

No setor MICE, a comunicação multilingue é um dos pilares para o sucesso de eventos internacionais.

A qualidade da interpretação ou da tradução em tempo real pode determinar a experiência do participante, a inclusão dos públicos e a eficácia da partilha de conhecimento.

Neste artigo, vamos destacar os pontos mais importantes que os organizadores de eventos devem ter em consideração quando decidem entre tradução simultânea e soluções sustentadas em IA, tendo em conta critérios como o número de línguas, o tipo de evento, o perfil dos oradores e as condições técnicas.

Importa distinguir dois conceitos-chave: a tradução simultânea (interpretação humana de conferência) e a tradução em tempo real com recurso a Inteligência Artificial (IA).

É importante sublinhar que muitos leitores já terão experienciado chamadas telefónicas automatizadas com voz gerada por IA. É fácil identificá-las e, na maioria dos casos, tendemos a desligar rapidamente. Esse exemplo é elucidativo do impacto da prosódia (a entoação, ritmo e melodia da fala) — um dos maiores desafios por resolver nas soluções atuais de tradução com IA.

  1. Bilingue ou multilingue


É relevante começar por definir: um evento bilingue é aquele em que se utilizam duas línguas (por exemplo, português e inglês). Já um evento multilingue envolve mais de duas línguas e requer soluções mais complexas.

Se o evento for multilingue, é altamente recomendável recorrer à interpretação simultânea humana (certificada ISO 23155) ou a soluções com voz sintética baseada em IA, pois a legendagem é limitada a uma língua projetada de cada vez. Em eventos bilingues, podemos considerar soluções de legendagem traduzida, interpretação ou mesmo voz IA, consoante os objetivos e meios técnicos disponíveis.

  1. Áudio ou com legendas


Em eventos multilingues, o áudio é preferencial para garantir inclusão. A legendagem simultânea é eficaz para públicos com capacidade de leitura rápida. A IA com voz sintética permite manter um registo auditivo com menos sobrecarga visual.

  1. Tradução e legendagem ou só legendagem


É essencial distinguir entre legendagem do discurso original e legendagem traduzida. Esta última é mais complexa e exige controlo de qualidade. A simples legendagem sem tradução funciona apenas para públicos que compreendem a língua original.

  1. Expositivo ou interativo


Eventos com estrutura expositiva (palestras, keynotes) permitem o uso de IA com bons resultados. No entanto, eventos com interação constante, debates ou vários oradores em simultâneo são desaconselháveis para soluções baseadas em IA, exigindo interpretação humana.

  1. Interpretação de conferência – ISO 23155


A solução mais fiável, profissional e certificada é a interpretação de conferência humana, segundo a norma ISO 23155. Esta solução envolve profissionais experientes, preparados com antecedência e que, inclusive, já incorporam IA como ferramenta complementar no seu processo.

  1. Tradução em Tempo Real com IA


As soluções baseadas em IA têm feito progressos notáveis, especialmente na legendagem automática e na voz sintética. No entanto, enfrentam limitações relevantes: latência, falhas na prosódia e dificuldades na tradução de linguagem figurada ou especializada. Para eventos de curta duração, de cariz expositivo e com muitas línguas, a IA pode funcionar bem. Mas num evento de longa duração, basta imaginar ter a voz do seu GPS a falar-lhe ao ouvido durante horas sobre finanças ou macroeconomia.

  1. Diferença entre oradores profissionais e especialistas técnicos


Grandes eventos mediáticos, como cimeiras e congressos internacionais, utilizam IA com sucesso, porque contam com oradores treinados, sistemas audiovisuais robustos e ensaios prévios. Contudo, a maioria dos eventos é constituída por especialistas não treinados em comunicação pública o que exige maior adaptabilidade e sensibilidade por parte dos intérpretes humanos.

  1. Condições técnicas e tempo de preparação


Ambas as soluções (humana e IA) exigem boas condições técnicas, mas no caso da IA, estas são absolutamente críticas. Má qualidade de som, ausência de scripts ou sotaques acentuados podem comprometer seriamente a eficácia da tradução automática.

  1. Comédia e poesia


Deve ser evitada em eventos multilingues com IA. O seu valor reside na subtileza, ritmo e ambiguidade, elementos difíceis — ou impossíveis — de captar automaticamente.

  1. Q&A e intervenções do público


Quando há participação do público, a melhor escolha continua a ser a interpretação simultânea por profissionais. A imprevisibilidade e variedade de perguntas requerem competência cognitiva e adaptabilidade que a IA ainda não consegue garantir.

  1. Diferença linguística e impacto na tradução


A língua inglesa é, em média, 25% mais compacta do que o português. Este diferencial causa atrasos nas legendagens traduzidas feitas por IA, tornando-as frequentemente desfasadas do orador. Por outro lado, os intérpretes humanos são treinados para sintetizar e acompanhar o ritmo do discurso, garantindo uma experiência mais fluída.

  1. Prosódia: um desafio humano ainda por resolver na IA


A prosódia — o ritmo, entoação e melodia da fala — continua a ser um dos principais obstáculos à naturalidade das vozes geradas por IA. A ausência de emoção, pausas naturais e expressividade torna o discurso robótico e desconectado do público.

Conclusão


As tecnologias de reconhecimento de fala (speech-to-text) e de conversão de texto em voz (text-to-speech) têm evoluído consideravelmente. Contudo, quando se trata de comunicação de humano para humano, de fala para fala (speech-tospeech), a excelência ainda permanece no domínio da interpretação humana.

O toque humano continua a ser insubstituível quando o que está em causa é mais do que apenas palavras: é a intenção, o contexto e a emoção.

© Mário Junior Opinião

Consultor em tecnologias da comunicação e soluções linguísticas, AP Portugal

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