Vasco Noronha: “Dificilmente nos ouvem dizer que alguma coisa não é possível”

Entrevista

15-07-2022

# tags: Tendências , Congressos , Turismo de Negócios

Estivemos à conversa com o diretor-geral da Factor Chave, Vasco Noronha, a propósito do 21º aniversário da empresa.

O sucesso desta longevidade deve-se, garante o executivo à Event Point, à flexibilidade da empresa: “dificilmente nos ouvem dizer que alguma coisa não é possível na organização de eventos”.

Além de um balanço do percurso da empresa, que este ano terá “o melhor ano de sempre” com uma faturação superior a 3 milhões de euros, Vasco Noronha falou dos desafios que o setor enfrenta, desde atrasos na orçamentação de eventos provocados pela inflação à falta de trabalhadores, “talvez o ponto mais preocupante”.

Sobre as tendências, o diretor-geral da Factor Chave manifestou-se confiante de que “os eventos híbridos vieram para ficar”, com a componente virtual a servir como complemento e não como alternativa à participação presencial, porque o networking é um dos motivos principais que leva as pessoas a um congresso.

A Factor Chave assinala hoje o seu 21º aniversário. Como começou?

A Factor Chave começou há 21 anos, fruto de um sonho. Estive 15 anos na indústria farmacêutica e sempre tive como objetivo ter uma empresa minha nesta área. Tive oportunidade e achei que era a altura certa para abrir a empresa. Em 2001, quando tudo começou, nós éramos uma pequeníssima empresa com três pessoas. Desde o princípio, sempre foi o nosso objetivo trabalhar exclusivamente na área da medicina. Os nossos clientes são as sociedades médicas e a indústria farmacêutica.

Porquê essa especialização?

No fundo porque era aquilo que eu sabia, a área onde estava mais à vontade e achei que o marketing, apesar de ser muito idêntico em muitas coisas, depois tem as especificidades das áreas todas, e, portanto, quisemos manter-nos aqui.

E quem já tinha 15 anos de experiência já conhece bem o setor…

Exactamente. Sabe as limitações que esta área tem, conhece as pessoas e torna-se mais fácil. Por isso é que nós entrámos como uma empresa de marketing integrado e assim nos mantemos. Fazemos tudo. Neste momento temos as áreas todas dentro de casa: temos designers, pessoas a fazerem organização dos eventos na parte logística e temos a parte mais visível que é a parte da organização mesmo no local. Fomos crescendo.

Começaram com três pessoas e agora quantos são?

Neste momento somos 16. Felizmente temos vindo sempre a crescer. Há um ponto que é muito importante destacar: aquela época de crise económica que se dá por volta dos anos de 2010 e 2011, quando toda a gente se queixou de que havia graves problemas com muitas empresas, nós tivemos nessa altura, em 2011, o melhor ano de sempre.

Já organizavam eventos de grande dimensão?

Desde 2008 que começamos a trazer para Portugal a organização de congressos internacionais, o que nos deu outra estrutura e outra maneira de fazer as coisas. Fortalecemos e continuámos a crescer.

Até que chegou a pandemia?

Tivemos um 2019 fantástico, como muitas empresas nesta área. E depois veio a pandemia. E havia duas possibilidades: ou ficávamos parados, e houve muitas empresas que o fizeram, ficaram à espera de ver o que é que acontecia... No nosso caso, acho que ficámos parados nos primeiros dois dias e depois achámos que tínhamos que recomeçar. Dois meses e meio depois estávamos a realizar o primeiro grande congresso nacional, o maior Congresso de Oncologia em Portugal, completamente virtual, com uma plataforma nossa. E depois aí foi sempre a crescer.

No fundo, conseguiram adaptar-se às circunstâncias, que impediam a realização de eventos físicos…

Exatamente. Adaptamo-nos e conseguimos fechar 2020 positivos. Crescemos em 2021 e, neste momento, apesar de ainda ser uma coisa bastante próxima e haver muita gente a dizer que está a recuperar, nós estamos claramente a acelerar e esperamos que 2022 venha a ser o melhor ano de sempre.

O melhor ano de sempre em que sentido?

Esperamos ultrapassar todos os objetivos, quer qualitativos quer quantitativos. Vamos realizar este ano pela primeira vez os três maiores congressos nacionais: o de Oncologia, o de Medicina Interna e o de Cardiologia. Os dois primeiros já organizamos anteriormente. Organizamos o congresso de Oncologia há 15 anos. A Cardiologia já organizámos quatro anos, depois paramos e voltamos a organizar em 2019. Este ano voltamos e para o ano voltaremos a organizar o Congresso de Cardiologia. No ano passado também ganhámos o da Medicina Interna. E assim temos os três maiores congressos.

Estamos a falar de eventos de que dimensão?

São eventos de organização nacional das respetivas sociedades, excluindo o de Oncologia, que é uma organização nossa - Os Encontros da Primavera são uma marca da Factor Chave -, e têm muitos palestrantes internacionais. O Congresso de Oncologia recebe mais de 1.000 participantes e os outros têm entre 2.000 e 2.500 participantes. É uma logística grande. Nós somos 16 pessoas na empresa, mas quando chegamos a um evento acabamos por ser 60 ou 70 pessoas a trabalhar, e somos nós a coordenar todas as equipas que estão no terreno.


Eventos marcantes

Há com certeza alguns eventos marcantes neste percurso de 21 anos. Quer destacar alguns?

Há vários eventos. O da Cardiologia, obviamente por ser o maior congresso nacional. Os Encontros da Primavera, porque é o nosso evento de coração. Começou em 2003 e foi o primeiro evento que a Factor Chave organizou em termos de congresso. Organizamos ainda como umas jornadas de um hospital distrital em Évora. Correu tão bem que nasceu a ideia de criar os Encontros da Primavera. A partir daí fizemo-lo ininterruptamente. Este é o nosso menino, chamemos-lhe assim. O da Medicina Interna é também muitíssimo importante. Mas também o são todos aqueles eventos que nós organizamos diretamente com clientes específicos dos laboratórios, que são eventos menos conhecidos, de ativação de marca, de produto, de celebração de algum objetivo atingido. E depois obviamente os grandes congressos internacionais.

Por exemplo?

Nós organizamos em 2012 o Congresso Mundial de Hematopatologia, que teve mais de 1.000 pessoas em Portugal. Em 2011 organizamos o Euro Thrombosis em Portugal, que é um evento da Sociedade Europeia de Cardiologia, e que até hoje foi o local que teve o maior número de participantes, o que significa que vamos voltar a organiza-lo este ano, em outubro.

Quantos participantes estão previstos?

Esperamos voltar a atingir as 400 pessoas, que foi o que atingimos nessa altura. É um congresso que normalmente tem entre 250 e 300 pessoas. Na altura, no Porto, tivemos mais de 400 pessoas. Agora vamos organizar em Lisboa. Era para ter sido em 2020 e acabou por passar para 2022. Vamos organizá-lo e esperamos números parecidos.

E que outros eventos internacionais?

Outro evento que era para ter acontecido em 2020 e que vamos organizar este ano é o Congresso Mundial das Comissões de Ética, que é um evento mais pequeno em termos de dimensão, mas que envolve muita diplomacia, muitos cuidados, porque temos muitas sensibilidades. É um evento completamente institucional. Aliás, a Comissão de Ética portuguesa, que é a organizadora, depende da Assembleia da República.

O que é que diferencia a Factor Chave das outras empresas que se candidatam à organização destes congressos?

Acho que há uma coisa que nos diferencia claramente da maioria das empresas que estão no nosso mercado e que nos leva a que, normalmente, quando começamos a organizar um evento que se realiza todos os anos, conseguimos mantê-lo ao longo dos anos. Temos muitos eventos e congressos que organizamos desde a sua primeira edição, o que para nós é um orgulho. Significa que o cliente está satisfeito. Lançam-nos desafios enormes. Muitas vezes com o mesmo produto, às vezes no mesmo local, com as mesmas pessoas, conseguimos fazer diferente. É um grande desafio. Acho que isso tem muito a ver com a nossa flexibilidade e capacidade de nos adaptarmos às coisas. Cada congresso é tratado como um evento especial. Isto é que marca. Quando o cliente nos diz às duas da manhã que gostava que afinal o evento ‘fizesse o pino e tirasse cafés’ ou uma coisa assim, nós arranjamos maneira. Uma coisa que os nossos clientes nos dizem muitas vezes é que dificilmente nos ouvem dizer que alguma coisa não é possível fazer. Esta é a grande diferença, o tratamento personalizado.

Há algum evento que acompanhem desde o início que possa indicar?

Sim. Há um evento da Merck, que é um evento da área da oncologia e que organizamos este ano pela 15ª vez, que é o EGFR, e que todos os anos é diferente. São as mesmas pessoas e todos os anos nós batemo-nos por descobrir novos locais, fazer de maneira diferente. Este ano foi no Palácio da Bolsa e atingiu o expoente máximo, com toda a tecnologia disponível.

Tendências nos eventos

Os eventos híbridos vieram para ficar?

Os eventos híbridos vão continuar a existir. Isto é muito engraçado porque nós em 2015, nos Encontros da Primavera, fizemos o nosso primeiro evento híbrido e foi muito frustrante, porque tivemos 14 pessoas online. Vale a pena tanto investimento para depois ter 14 pessoas? Agora o que nós vemos é que as pessoas têm interesse em ir. Achamos que cada vez mais vamos voltar aos eventos presenciais. Há coisas que não se consegue ter nos eventos virtuais, nomeadamente o networking, que é talvez uma das coisas principais que leva as pessoas a um congresso: poder discutir com os seus pares, poder estar, tudo isso.

Então porquê continuar com os eventos híbridos?

Os eventos híbridos vão continuar porque vão existir sempre algumas pessoas que não vão poder ir. Além disso, há muitos eventos que têm sessões a funcionar em paralelo e, mesmo a pessoa que esteve presente, vai querer ver mais tarde uma sessão que não teve oportunidade de assistir. Portanto, acho que os eventos híbridos vieram para ficar. Não como alternativa aos presenciais, mas sim como um complemento.

Os próximos eventos que tem agendados continuam a prever um formato híbrido?

Sim. Os maiores congressos, como a Medicina Interna, o Euro Thrombosis, continuam todos a ter uma componente híbrida. Aliás, no próximo ano, em março, temos o Congresso Mundial do Cancro da Cabeça e Pescoço, que será em Lisboa, com mais de 1.000 pessoas, e estamos neste momento a discutir se será híbrido, e foi sugestão nossa. Não para fazer transmissão em direto, porque não queremos canibalizar as participações, mas para disponibilizar posteriormente as sessões para quem não puder estar.

A inflação e a guerra na Ucrânia está a afetar-vos de alguma forma ou é uma situação que vos tem passado ao lado?

A guerra na Ucrânia passa-nos um bocadinho ao lado. Houve alguns palestrantes, particularmente americanos, para quem a Europa é um todo, que cancelaram as vindas presenciais com medo da guerra. Neste momento já não é isso que se está a passar, felizmente. Esperamos que a guerra acabe rapidamente, mas não nos está a afetar por aí além.

E a inflação?

A questão da inflação é transversal e afeta-nos, porque nós temos que imputar estes custos nos nossos clientes. Estamos com alguns problemas graves a nível de conseguir orçamentos para congressos em novembro. Não estamos a falar de um congresso para daqui a dois anos, mas para novembro. O maior centro de congressos do Algarve diz-nos que não nos pode dar valores para catering em novembro, porque os produtos aumentam todos os dias. Isto leva-nos a problemas, porque temos que fechar orçamentos com o cliente e não podemos estar à espera.

A falta de trabalhadores que se tem verificado em vários setores também abrange a vossa área?

A falta de pessoas para trabalhar está provavelmente a afetar-nos mais do que qualquer das duas questões anteriores. Já não tínhamos uma mão-de-obra qualificada muito vasta... Eu faço parte da direção da APECATE e é um assunto que temos debatido muito, quer internamente quer com a própria Secretaria de Estado do Turismo. O que acontece neste momento é que queremos contratar pessoas, fazemos concursos e os concursos ficam vazios. Isto ainda é pior quando estamos a subcontratar empresas de audiovisuais com quem nós trabalhamos há anos e que nos dizem que não conseguem assegurar o trabalho porque não têm pessoas para trabalhar. É talvez o ponto mais preocupante, porque daqui para a frente não tenho grande esperança de que vá melhorar.

Não há nenhuma solução a ser analisada para combater a falta de trabalhadores?

Acho que o nosso Governo não está virado para se empenhar para resolver esta situação. Há muitas palavras bonitas, mas em termos práticos não há nada. Nem sequer vale a pena dizer que é por haver salários baixos, não. Há um grupo de pessoas que claramente percebeu que esta coisa dos congressos e dos eventos é muito trabalhosa, ocupa muitas horas e só mesmo quem goste efetivamente disto é que tem prazer em continuar nesta área. A maior parte das pessoas acha que até pode ganhar menos 30% ou 40% mas tem um horário das 9h às 17h no Estado ou onde quer que seja e não se chateia mais. Aqui não, aqui trabalhamos quando temos que trabalhar.

Estão, portanto, sem solução à vista…

Eu não tenho solução e parece-me que ninguém tem.


Este vai ser o melhor ano de sempre”

Qual é a faturação anual da Factor Chave?

Nós este ano vamos ultrapassar os 3 milhões de euros, claramente. Este vai ser o melhor ano de sempre. Em 2019 já atingimos os 3 milhões de euros, mas este ano vamos conseguir um pouco mais.

Será um crescimento de que ordem?

Em relação a 2019 será um crescimento de 10% a 12%. Se compararmos com 2020 é um crescimento de 300%.

O que é que contribui mais para a faturação da Factor Chave?

É a organização de eventos. Representa 70% da nossa faturação. O resto inclui formação, desenvolvimento de campanhas... é mais o marketing puro, chamemos-lhe assim.

A organização de eventos tem um contributo para o turismo, na medida em que atrai visitantes internacionais…

Sim. E essa é mais uma situação que é um contrassenso. Nós continuamos a ter uma política de apoio à atração de eventos baseada nas dormidas. Obviamente que se eu organizar um congresso em Évora consigo facilmente saber exatamente quantas dormidas foram e em que hotéis as pessoas estavam, que é isto que o Turismo de Portugal nos pede para nos apoiar. Mas, por outro lado, se for em Lisboa, não faço ideia onde a pessoas estão a dormir. Se tenho 1.000 inscrições, as pessoas têm que estar a dormir em algum lado, mas é difícil provar onde estiveram a dormir. É claramente um contrassenso continuarmos a ter as dormidas como o grande medidor dos apoios aos congressos. Na realidade todos os apoios são bem vindos, mas nós nunca nos colocamos a organizar um congresso com base nos apoios que vamos ter. Se o apoio vier, ótimo, mas as fontes alternativas têm que estar garantidas.

Estamos a falar do Portugal Events?

Sim, o Portugal Events, que neste momento já esgotou a sua dotação.

Mas nos próximos dois anos vai ter mais cinco milhões de euros em cada ano.

Sim. Nós, enquanto APECATE, estamos a lutar para que tenha mais do que os cinco milhões de euros. Foi decisão que este ano iria parar nos cinco milhões de euros e não iria ser aumentada a dotação. Era fundamental nesta fase que a dotação fosse grande. Antes de ser anunciada, nós tivemos ocasião de estar com a secretária de Estado do Turismo e de lhe dizer que achávamos que o valor era muito baixo. Ainda por cima da maneira como é distribuído, que é para as grandes empresas, para os grandes eventos corporativos ou para os grandes espetáculos culturais. Não é isso que traz o turismo a Portugal. Obviamente que são importantes, mas quem faz girar a economia em Portugal continuam a ser as Pequenas e Médias Empresas e são essas que precisam claramente de ser apoiadas.


Luís Canto