Vergonha não é roubar

Opinião

17-09-2025

# tags: Eventos , Criatividade

Cá em casa discute-se muito sobre a legitimidade de roubar, picar ideias. É quase sempre o Fernando a opor-se, ele é da Paz e não gosta disso. Verdade é que, no final do dia, não se faz grande cerimónia.

A apropriação implica descodificação e recontexto, intensa discussão e baldrocas tantas vezes, para produzir algo que seguiu entretanto um curso próprio, outro.

Antes disso, a referência (mormente várias) identificada é ela própria resultado de uma pesquisa focada e intencional. Procuram-se gestos, ou ecos, do imaginado ou intuído, para que a ideia, ou conceito, cresça, se entranhe ou desentranhe.

O maravilhoso mundo dos mood boards anda por aqui também. Com isto dizer que a eleição de um conjunto de referências é per si uma metodologia que permite estudar e afunilar soluções. Sabemos.

O provocador delicioso genial Paul Arden deixou-nos com essa legitimidade do fazer / pensar ao contrário, de subverter o clichê, de assumir ou escancarar aquela verdade mais crua, sem a patine maquilhagem do politicamente correto consensual e anódino.

Importa afinal, mais do que o “roubo”, o destino que lhe damos. E “não se dê ao trabalho de esconder o roubo – se lhe apetecer, celebre-o”*.

Haverá elogio maior do que esse em que reconhecemos as nossas ideias refletidas no trabalho de outrem?

Sim, claro que sim. Mas também nos orgulha revermo-nos copiados, sendo “a peça” interessante quanto baste para que alguém alguém a queira roubar.

Volto à faculdade: “copiem, se não sabem o que fazer, copiem”.

Não há melhor forma de aprender do que a intensidade do olhar que perscruta o mestre, a obra, nesse mergulho que anseia encontrar o propósito endémico, gerador da forma.

Aqui em casa vamos a todas, escavamos o propósito, fazemos ping pong de fórmulas e claims até nos soarem perfeitos, no significado e remate, mergulhamos no Pinterest da vida, nas referências

pessoais e diferentes que são as de cada um – tenho tanto orgulho nisso – e esgrimimos até chegar àquele lugar redondo da solução que responde querendo superar a expectativa, num processo de criação que é democrático quase sempre.

No final, interessam-nos o encontro com as pessoas, as emoções, a oportunidade do detalhe e de encantar, a redescoberta do belo formal, tantas vezes subestimado, e que por cá tanto estimamos.

Ainda “o roubo do roubo” de Paul Arden a Jean-Luc Godard: “O importante não é de onde tirou uma coisa, mas sim para onde a leva”.

Deixemo-nos levar por esta vertigem do efémero que os eventos representam, esse tudo ou nada que antecede o momento mágico da articulação plena de todas as variáveis em cena, pela energia que se potencia no exercício de tornar tangível e experiencial uma mensagem, propósito e/ou ativismo.

Do efémero transitório, de que se consubstanciam os eventos, ficam apenas memórias? Guardo todas. Um dia vou construir um castelo.

E fecho assim com a citação de Pessoa - ou apócrifo? - roubada e subvertida naturalmente.

© Renata de Amaral Opinião

CEO da Couture Agency

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