Como vencer o medo?

05-01-2021

Tal como uma criança perde o medo de um escorrega ao escorregar, o medo de realizar ou de participar em eventos perde‑se fazendo e participando.

Carla Carvalho Dias, fundadora da Visão Integrada, consultora, speaker e autora, fala sobre o medo e explica como ultrapassar esse sentimento.

Carla Carvalho Dias conhece bem o impacto de um evento com casa cheia. Habituada a falar para plateias de milhares de pessoas em todo o mundo, garante que nada se compara à energia de um evento ao vivo. Uma energia que, nos últimos meses, não tem sentido porque os eventos em que participa, tal como muitos outros, não se realizam. Não há razão para que tal aconteça, diz. E deixa ideias e desafios para que o medo não seja mais um obstáculo numa fase já de si difícil.

Para falar sobre o medo, o melhor é recuar até aos primeiros anos de vida, altura em que se formam grande parte dos medos que nos acompanham. Carla Carvalho Dias lembra que os únicos medos inatos “são o medo das alturas ou das quedas e de barulhos altos, como tempestades, estrondos, explosões” e que “todos os outros são adquiridos”.

Ou seja, o medo que impede a realização ou a participação em eventos tem uma raiz diferente e não relacionada com o instinto de sobrevivência. Então, que tipo de medo é este? “Na minha opinião o que está a acontecer em relação à pandemia é o medo do desconhecido. Por exemplo, porque é que há pessoas que têm muito medo de andar de avião? Normalmente porque essas pessoas têm muita necessidade de controlo e como não percebem de aviões têm muito medo de que este caia”.

O medo de contrair o vírus é, por isso, normal, mas deve ser doseado, avisa: “É um medo adquirido, e ainda bem que o temos, porque se não tivéssemos medo de nada morríamos ao sair de casa. Ainda bem que existe medo, conquanto não seja um medo paralisante”.

O medo do desconhecido

Em relação à Covid‑19, trata‑se de um medo real, porque todos os dias se verificam mortes e novos contágios e porque todos tememos que a situação se torne ainda mais grave. Além disso, a própria comunidade científica não encontrou ainda respostas capazes de tranquilizar quem, em todo o mundo, tenta perceber como estar a salvo do vírus. “O maior medo vem da falta de controlo e desconhecimento. Estamos rodeados de muita informação e temos muitas perguntas sem resposta. E, quando isso acontece, é normal que o nosso medo seja superior”, diz.

“Perante um medo, temos duas hipóteses: resignar‑nos ao medo ou superar. Vou resignar‑me ao medo e portanto não faço eventos, não saio de casa… sendo que ir a um supermercado não é diferente de ir a um evento”, considera.

A fundadora da Top Service Academy falou com a Event Point alguns dias depois de ter ido pela primeira vez ao teatro após uma ausência de vários meses. Essa experiência e a segurança

que sentiu fizeram‑na pensar “porque é que neste momento não se fazem eventos como se está a fazer no teatro?”. “A segurança é absoluta. As pessoas precisam de convivência social”, salienta.

A confiança em quem lidera

Ao falar sobre como é possível ultrapassar o medo, Carla Carvalho Dias salienta o papel determinante que os líderes têm neste momento. “Se é a própria liderança que transmite o medo, como é que eu posso querer que as minhas pessoas não o tenham? Ora, se eu digo às minhas pessoas que não faço o evento porque tenho medo de ser contaminado ou que haja contaminados, então eu tenho que estar preparado para que as pessoas também me digam que têm medo de ir para o escritório”.

E aponta como exemplo uma experiência feita com bebés que são colocados numa superfície opaca, que depois passa a transparente: “Qualquer bebé, colocado nesta circunstância, quando chega à parte de vidro não ultrapassa, porque tem medo da altura. Mas ele atravessa se a mãe estiver do outro lado. Com os eventos é a mesma coisa. Se o decisor não vai, então eu também não vou. Porque nos comportamos à imagem dos nossos líderes”. “É fundamental que as direções das empresas, os decisores, mostrem às suas pessoas e até ao mundo que, embora haja receios, podemos fazer o que está ao nosso alcance para os minimizar”, diz.

Ainda recentemente teve um exemplo da importância da confiança transmitida pela liderança, ao ser convidada para falar num evento que antecedia a abertura de um hotel no Funchal. A ação para o staff foi composta por três eventos: um para 40 pessoas, um para 80 e o último para 250 participantes. “Como é eu digo ao staff do meu hotel para na segunda‑feira abrir o hotel tranquilamente, andar pelo meio dos hóspedes sem medo, sem lhes mostrar que eu não tenho esse medo?”, questiona.

A resposta foi justamente a forma como esses encontros, realizados três dias antes, decorreram. Sempre com a maior segurança e cumprindo todas as regras ao nível da utilização de máscaras, distanciamento, entradas e saídas ou lotação das salas. “As pessoas estão sedentas de estarem socialmente juntas, embora fisicamente distantes”, considera.

“A distância social está a trazer medo ao evento. Se eu tivesse de deixar uma dica era: parem de chamar distância social, porque nunca nós precisamos tanto de socializar. Há pessoas a sofrer de uma solidão imensa, parem de falar de distanciamento social, porque isso traz‑nos a ideia de que não posso fazer eventos porque eles servem para socializar. Temos de ter proximidade social com distanciamento físico, o que é diferente”, diz.

Carla Carvalho Dias lamenta que os “os únicos eventos adormecidos sejam os empresariais”. E lança um desafio: “Antigamente, por tudo e por nada se faziam eventos e agora que eles são mais necessários do que nunca não estão a acontecer. E não há razão nenhuma para não acontecerem. Se eu vou ao teatro, porque é que não vou a um congresso? Se vou a um restaurante porque não vou a um congresso? Corro mais riscos num restaurante do que num evento”.

Assim, e respondendo à pergunta que ela própria lançou ao abordar o tema, Carla Carvalho Dias dá a solução para um problema que acaba por ser transversal a diversos setores da sociedade: “Porquê o medo? Pela situação mundial que se vive. Como vencer? É como um escorrega. A melhor maneira de uma criança vencer o medo de um escorrega é descê‑lo. Nos eventos, a melhor maneira de vencer o medo é começar a fazê‑los”. Com cuidados, controlando aquilo que pode ser controlado, mas descendo. Sem medo”.

Na sua opinião, “não há razão rigorosamente nenhuma para que não se façam”. “Se me disserem que a razão é a rentabilidade, apetece‑me dizer que também não é uma razão”, contrapõe.

“A palavra de ordem com estes medos todos que vivemos e no momento atual é adaptação. Não tenho dúvida nenhuma de que quem está a sofrer com a falta de eventos não são só as empresas organizadoras de eventos, são os hotéis, segurança, as pessoas de audiovisuais, caterings. Há uma rede de serviços adicionais associados a um evento que está a sofrer horrores. E eu não acredito que algum deles se recuse a ser ligeiramente flexível na senda de encontrar rentabilidade para o evento”, diz.

Além disso, lembra que o setor dos eventos se caracteriza, justamente, pela forma como reage prontamente às mudanças imprevistas. “Esta pandemia veio trazer uma série de procedimentos adicionais que eram inexistentes. Conhecendo as empresas de eventos, sei que se há pessoas capazes de se adaptar a qualquer circunstância, a qualquer imprevisto e a qualquer necessidade adicional do processo são os organizadores de eventos, porque vivem no imprevisto”.

Carla Carvalho Dias considera igualmente que “vencer o medo também passa por uma comunicação muito eficaz ao público‑alvo de que se vai passar em ambiente seguro”. E porque não “dar a possibilidade, a quem quiser, de ver quais são as normas e as regras que vão estar implementadas?”, questiona. “Temos diferentes níveis de medo. Fui ao teatro e não fui saber se havia condições ou não, mas de certeza que havia. Mas a pessoa mais cética pode querer ir ver e dizer: então digam lá que condições são essas”. E os organizadores devem ser transparentes neste aspeto.

Importante é fazer, avançar e, sobretudo, voltar a aproximar emocionalmente as pessoas porque, “a proximidade social faz falta e o distanciamento físico é indiferente”. “Tenho feito muita coisa online e nenhuma chega aos calcanhares daquilo que se passou ao vivo e a cores no Funchal”, assegura.

Na sua perspetiva nunca, como agora, foi tão necessário reunir as pessoas, porque vivemos num momento novo, em que a fragilidade não se limita a uma família, cidade ou país, mas parece ter alastrado a todo o mundo. “O que as empresas têm de perceber é que antigamente, e quase só porque se sim, se fazia um evento motivacional. Ao ponto de as pessoas já dizerem: outra vez? Nunca as pessoas precisaram tanto disso como precisam agora e nunca se fez tão pouco”, alerta.

“Estão a insistir muito para que as crianças vão aprender, porque precisamos de criar inteligência social, de olhar para os olhos uns dos outros, de ouvir as vozes uns dos outros. E nós, adultos, somos exatamente a mesma coisa. Se calhar está na altura de dar o passo e, eventualmente, em vez de fazer cinco eventos a granel, fazer um forte que realmente ajude as pessoas a ultrapassar isto tudo”.

Os problemas económicos, familiares e relacionais que a pandemia trouxe pedem, na sua opinião, que as pessoas voltem a estar juntas. E ultrapassem o medo.

“Da mesma maneira que posso ter medo de andar de mota e para andar uso um capacete especial e um casaco que me protege a coluna, etc., já percebemos que esta pandemia nos permite levar uma vida pseudonormal desde que tenhamos algum controlo sobre as nossas ações”, conclui.

 

Olga Teixeira
© Isadora Lum