Egos e bacalhaus com asas
29-12-2016
Ele há autoria sem ego e confiança?
Os eventos lato sensu têm autoria criativa? Devem ter?
O que se perde e o que se transforme na ausência desta autoria?
Os conceitos servem realmente para alguma coisa?
No “território do agradar a todos” que compromissos se fazem?
E o que é um “bacalhau com asas”?
(E os eventos são assim tão importantes?)
Este é um ensaio que começa assim, com perguntas, prometendo navegação à vista e considerandos porventura confusos. Sem ambições nem ego (será?), mas com a confiança a que estas linhas obrigam, encontrarei (a ver) porto de abrigo ou tão somente uma marina solarenga para aportar.
O ego e a gestão que cada um faz do seu, e dos que o rodeiam, desempenham o seu papel, condicionando as relações e os resultados das equipas.
O tema é tratado, entre outros, por Jim Collins no seu “De Bom a Excelente” que nos escreve a respeito de liderança e de líderes.
Segundo o autor, líderes capazes de conduzir empresas a performances de excelência, objectivadas em resultados materiais extraordinários, são poucos e realmente diferentes.
A destrinça encontra‑se grosso modo na definição do que entendem ser a sua missão, no ego domesticado, na confiança e valorização do outro e das equipas, até num certo tipo de desapego e humildade, no íntimo‑verdadeiro‑profundo propósito de cada timoneiro.
Collins, na sua avaliação, destaca também os Bons líderes responsáveis por obter bons, não excelentes, resultados, mas é expressivo no argumento do que os separa: o ego.
Dir‑se‑á que a excelência é liderada por não protagonistas.
Serve este ponto para focar o busílis: o da confiança que se exige ao criativo que, do ponto de partida de um briefing, elabora uma visão, declinada conceito, do que entende servir à Marca e aos que a gerem.
Ora, dependendo do enunciado, o exercício poderá estar mais ou menos orientado por um conjunto de intenções. Em todo o caso, pôr o conceito no papel, e desenhá‑lo com embrulho de storytelling, exige confiança. Auto‑confiança. Ego? E mais ainda no acto de o apresentar e defender, desde logo internamente.
Há sempre caminhos, mais do que um, muitas ideias e opiniões que remetem para compromissos e outras tantas achegas. Na multitude de inputs coexistem legitimidade, pertinência, contributos que acrescentam ou interrogam e diversos inconsequentes que baralham sem dar. O leme pertence ao ego ou à confiança?
Uma visão clara, musculada e não egocêntrica pode salvar um conceito?
A verdade é que, não raro, entre projecto‑conceito proposto e “vendido” e a sua implementação vai uma larga distância.
Outras vezes o produto final apresenta‑se como “bacalhau com asas”. A expressão paga direitos e ouvi‑a de um cliente com quilómetros de eventos e derivados. Um sábio.
“BACALHAU COM ASAS”, HÍBRIDO MARINHO ALADO CRIADO NO ATLÂNTICO; PODE SER CONFUNDIDO COM FORMAS MITOLÓGICAS DA ORDEM DO FANTÁSTICO, SENDO NA VERDADE UMA FORMA COMUM DE ENXERTO FREQUENTEMENTE OBSERVADA.
ou
“Bacalhau com asas”.
Panaceia. Equilíbrio consensual morno. Bom para alguns, insuficiente para muito poucos, nunca excelente. Tem a virtude de incluir contributos distintos, nem sempre conciliáveis. Alinha com as várias expectativas e desejos, adquirindo características diferentes dependendo do ângulo e do olhar. Dá conforto e não deixa ninguém ficar mal. Garante presença na galeria dos feitos, sem fazer história. Proporciona cansaços tranquilos e poupa o coração do risco de arrebatamento.
Não me habita hoje qualquer pudor face ao híbrido referido: encontra‑se disponível e revela procura consistente. Este ser alado agrega e acopla, ao mesmo tempo que condescende no conceito e na sua leitura. Serão os conceitos importantes? Ou apenas pontos de partida e não de chegada?
No final do dia, o desapego da autoria e da crença no conceito (e mais ainda do ego) amplia o portefólio de respostas possíveis. Deslocada a ambição, é a auto‑confiança que persevera e suporta a dinâmica de desenvolver e reformular ideias em contínuo, mantendo o debate da sua consistência e nitidez.
A maturidade ao que parece dá‑nos asas, e conhecer o que separa ego de confiança também.
Afinal, embora cada evento se apresente qual “fim do mundo; parece que nada mais importa; temos que conseguir”, a verdade é que ao próximo se sucederá o seguinte, e assim sucessivamente, garantindo prolíferas oportunidades de experimentação e aprendizagem.
Por Renata Amaral | Directora Criativa da Prestígio for Brands
Estudou arquitectura (FAL), comunicação organizacional (ESCS) e gestão (ISG). O “tempo longo” da arquitectura fez com que procurasse diferentes caminhos profissionais, ainda que tenha desempenhado funções de redactora e editora da revista Arqa – Arquitectura e Arte. Mas foi na área da formação que se encontrou, e durante 11 anos assumiu diferentes papéis naquela que é uma das mais relevantes escolas nacionais nas áreas do cinema e televisão, fotografia, design e new media, som e música, a ETIC. Findo esse ciclo, as agências – POP Communication Group e PRESTÍGIO for Brands – tomaram lugar. No presente, concilia a direcção criativa da PRESTÍGIO com a consultoria de negócios, estabelecendo pontes entre know‑how português e o governo nigeriano.