Eventos híbridos no ponto de não retorno

09-10-2020

Ponto prévio: os eventos presenciais não vão deixar de existir.

Mas a disrupção causada pela Covid‑19 obrigou as organizações a adaptarem‑se na forma de comunicar, quer com clientes, membros, ou com os recursos internos, e a lançarem‑se na organização de eventos virtuais. Foi o chamado “nudge” ou “empurrão” para mudar comportamentos, e mudar rapidamente. É expectável que a componente do digital se mantenha relevante mesmo depois da pandemia ter terminado. Esta vai ser, provavelmente, incorporada na estratégia de eventos das organizações. Durante o webinar que marcou o Global Meetings Industry Day (14 de abril), e não nos podemos esquecer que foi realizado durante um momento muito complicado, foram inquiridos mais de sete mil organizadores de eventos e 62% acredita que a maioria dos eventos presenciais se transformará em híbridos. A questão com que as organizações se vão debater é: faço um evento presencial, um digital, ou as duas coisas? Alguns meses passados, a realidade é que os eventos presenciais estão a regressar muito timidamente, e o receio do vírus, do escrutínio, da falta de eficácia mantém‑se.

O velho ditado segundo o qual “a necessidade aguça o engenho” nunca será mais relevante do que agora. “Certamente todos nos tornaremos mais experientes ao participar e criar experiências online de todos os tipos”, diz Miguel Neves, do board do MPI, em entrevista a Ramy Salameh, da Event Point. Portanto, se houver um lado positivo nesta crise, inovações e processos de novas tecnologias na indústria MICE poderão acelerar novas oportunidades e, consequentemente, a maneira como todos trabalhamos muito depois da Covid‑19. Miguel Neves acrescenta: “Estou confiante que os eventos se recuperarão e o número de eventos poderá até crescer, mas também espero que eles se tornem mais focados e ofereçam experiências de mixed‑media com bastante conteúdo para ser consumido on‑demand. Os eventos presenciais podem concentrar‑se mais nas oportunidades de debater, trocar ideias e interagir.”

“É importante perceber que um evento híbrido não é o substituto online do evento offline. Ambas as partes são igualmente importantes e operam em uníssono”, alerta Colja Dams, da Vok Dams, num artigo na revista Kongres. Na mesma peça, o responsável sublinha que, “ao combinarmos o cenário offline com os canais de comunicação online, os eventos híbridos não só mantêm fortemente a atenção do grupo, mas fazem‑no de uma forma mais individual e impactante do que a publicidade clássica, relações públicas ou atividades patrocinadas”. “Não podemos cair no erro de achar que um evento online pode ser posto no ar como era montado um evento presencial. São coisas completamente diferentes. É um erro pensarmos que temos de transpor para o online e para o digital o evento presencial”, regista Pedro Miguel Ramos, do RXF Group, nas ‘Conversas em Direto da Event Point’. “Tem que haver mecanismos diferentes até para absorção do público no digital, se as pessoas tiverem um mau moderador, um mau orador, saem de imediato. O momento de intervalo no presencial funciona, no online ninguém fica a ver as marcas a passar” e isso obriga a pensar esta experiência de forma muito séria. “O digital tem que ser menos tempo e mais impacto e só assim se consegue agarrar o público”, adianta Márcia Ferreira, da Mainvision. “Vai haver uma grande evolução na ligação entre evento presencial, online e rede social”, avisa Pedro Miguel Ramos.

Também Craig McGee, CEO da Panoptic Events, em entrevista à Event Point, acredita que a tecnologia desempenha um papel mais crucial nos eventos. Antes, havia conversas sobre eventos totalmente online; agora, os híbridos serão a norma. “Haverá uma grande mudança na indústria. Pense em como as pessoas estão em videochamadas agora, isso deixou de ser um problema. Não terei problema algum em reunir via computador. Agora, vamos ser honestos, os eventos presenciais são a razão da nossa atividade, embora o período de transição para o futuro próximo seja interessante, pois vemos como a tecnologia se torna uma parte maior do nosso quotidiano. Haverá um aumento acentuado, embora não substitua eventos de música, desporto ou grandes conferências. Embora a nível intermédio possa haver mais empresas a recorrer à ‘tecnologia’ para economizar nas despesas de viagem.” “Novas ideias surgirão e nós abraçá‑las‑emos”, sublinha o responsável da Panoptic. “No entanto, em última análise, não se pode substituir a sensação de apertar a mão ou de abraçar um velho amigo. Agora, mais do que nunca, a tecnologia permite‑nos ficar juntos e ambicionar essa conexão humana. Os eventos que acertarem nesse equilíbrio serão os vencedores.”

O papel do organizador de eventos

A virtualidade dos eventos vai tornar‑se cada vez mais sofisticada. Mas lembre‑se que um evento híbrido não é simplesmente transmitir online um evento presencial. Há que ter em atenção que a componente virtual dos eventos deve ser desenhada com a mesma energia pelo organizador de eventos como a componente presencial. Criatividade, fluidez, ritmo, conteúdo, experiência, interação, moderação, são aspetos que o organizador tem que desenhar. Assim, o ideal é que as duas experiências sejam pensadas paralelamente. Se houver um atraso no presencial, por exemplo, o virtual não pode estar à espera. Tem que haver conteúdos preparados para colmatar qualquer falha. O mesmo se pode dizer na situação contrária. Algum problema técnico em termos virtuais não deve ser notado na sala.

“Online ou presencial, as pessoas vão a eventos para aprender, fazer networking e descobrir. Isso não muda. Mas permitir isso numa plataforma digital requer algumas mudanças estratégicas”, refere Bob Bejan da Microsoft, num artigo publicado pela Fast Company. Ele dá algumas pistas: pense cinematicamente; tenha ideia clara no do evento; escolha apresentadores que se adaptem ao formato; faça do evento uma conversa; pense na experiência do participante pré, durante e após o evento; atente nas métricas.

Escala, novos públicos e exportação de conceitos

A dimensão virtual de um evento pode conferir escala, pode permitir exportar conceitos, chegar a públicos que nunca iriam estar num evento. Igor Tobias, da MCI Brasil, lembra o alcance de audiência que podem ter os eventos digitais, e que os presenciais não conseguem atingir. “Uma reunião de uma hora, lançada uma semana antes do evento, juntou 1.300 participantes, o que é impensável num evento presencial numa grande cidade como São Paulo. O mesmo evento teria muito menos impacto se fosse on‑site e esta verdade está a vir acima. Esta é uma das mudanças que vieram para ficar.”

Imagine a quantidade de pessoas que podem estar interessadas num evento e que não podem participar fisicamente, porque não podem viajar, porque não têm agenda, porque estão cheias de trabalho. Pensar nestes públicos é hoje essencial. Permite criar comunidades mais alargadas, envolver novas pessoas com a marca, com as associações, com as organizações. Há também novas oportunidades de patrocínios para serem capitalizadas.

Oportunidade para receber mega-eventos internacionais e eventos multi-hub

O líder da Web Summit, Paddy Cosgrave, durante a conferência ‘Collision from home’ disse claramente: “acho que o futuro dos nossos eventos é híbrido”. E o futuro acontece já em 2020 com o anúncio de que evento terá uma componente presencial, mas também digital. E se menos gente se espera que venha a Lisboa para este evento em particular, o exercício pode ser feito ao contrário para muitos outros eventos do calendário mundial. Portugal pode candidatar‑se a ser o hub presencial de eventos que até agora não tinha capacidade de acolher porque eram totalmente presenciais. Por outro lado, é expectável que estes eventos híbridos internacionais e globais optem por multi‑hubs ou multi‑destinos, e mais uma vez há uma miríade de oportunidades para o país.

 

Cláudia Coutinho de Sousa

Foto: Altice Arena