Eventos na Europa: paragem, reinvenção e solidariedade

22-12-2020

O setor dos eventos na Alemanha, Bélgica, Espanha e Países Baixos.

Em março, a indústria dos eventos na Europa “foi dos 100% aos zero em dez dias”, de acordo com o retrato traçado por editores de revistas europeias da meetings industry. Os mesmos que, em junho, fizeram o relato possível de uma retoma lenta e com os eventos híbridos em vista. E agora, chegados ao final deste ano atípico, e ainda a braços com uma pandemia que tanto impacto teve, e continua a ter, no setor dos eventos, a Event Point voltou ao contacto com responsáveis da Memo Media (Alemanha), Experience (Bélgica), Eventoplus (Espanha) e Event Branche (Países Baixos), para um novo ponto de situação.

 

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Jens Kahnert (Memo Media) | ©️ https://www.virtualmarket.stage-set-scenery.de/en/Jens-Kahnert,a1768656

 

Alemanha

2020 começou por ser um ano promissor para o setor dos eventos na Alemanha, mas este em março entrou em “coma artificial”. Entretanto, em junho, era difícil traçar cenários gerais, uma vez que cada Estado alemão tinha as suas próprias regras. Havia vontade, mas eram precisas orientações claras… E estas estão agora bem explícitas. No momento, “quase toda a indústria está parada” e há um “confinamento total até 10 de janeiro”, pelo que não são permitidos eventos presenciais, conta Jens Kahnert,da Memo Media.

“A maior parte dos trabalhadores estão em trabalhos de curto prazo, algumas empresas apoiam os preparativos para os centros de vacinação, muitos artistas tentam manter-se à tona com outros trabalhos, como caixas, professores e por aí adiante”, explica o editor, referindo ainda como os organizadores de eventos e os fornecedores se têm adaptado à nova realidade: “Muitos dos fornecedores técnicos investiram em estúdios de streaming para tornar possíveis os eventos digitais. Alguns investiram em dispensadores de higiene e outras coisas de que vamos precisar, se os eventos cara a cara forem novamente permitidos. Os artistas tentaram adaptar os seus espetáculos com transmissões online, mas é muito difícil rentabilizar isso financeiramente.”

Para dar resposta às dificuldades sentidas pelo setor, o Governo alemão criou o ‘Überbrückungshilfe Part II’, de setembro a dezembro, “com o qual se recebe do Governo uma parte dos custos fixos”, e o ‘Novemberhilfe’, “com o qual as empresas que têm de fechar completamente recebem 75% da sua faturação do último mês de novembro”. Estas são algumas das ajudas financeiras do Governo, que tem estado “em constante diálogo” com o #AlarmstufeRot (www.alarmstuferot.org), que dá conta das dificuldades do setor. Destacando o “bom trabalho” da organização, Jens Kahnert acrescenta que “eles também organizaram duas grandes manifestações em Berlim e muitas manifestações em estados federais”.

A terminar, o editor da Memo Media destaca a “grande solidariedade” que existe em todo o setor. “Pessoas que sempre foram fortes concorrentes falam agora umas com as outras e mostram solidariedade. Espero que este efeito positivo se mantenha quando o vírus for embora”, frisou.

 

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Jean-Paul Talbot (Experience) | ©️ Bedouk

 

Bélgica

Jean-Paul Talbot, da revista Experience, falou em março de como toda a indústria tinha parado a 10 de março e sobre todas as incertezas que se apresentavam no horizonte. Em junho, as perspetivas eram dramáticas para o setor e, apesar da esperança de começar a realizar eventos no decorrer do segundo semestre, a confiança era pouca. E o cenário não melhorou meio ano depois. “Uma pesquisa recente mostra que a indústria perdeu cerca de 85% da sua faturação em 2020”, começa por dizer o editor da Experience, explicando que o atual cenário pode levar 31% das agências de eventos belgas a declarar falência em junho de 2021.

“Mesmo que algumas agências ainda recebam solicitações de propostas por parte dos clientes, a maioria são eventos híbridos ou digitais. Os primeiros eventos ao vivo estão planeados de setembro de 2021 em diante. Uma recuperação total não é esperada antes de 2022”, acrescenta Jean-Paul Talbot, que conta ainda que está “tudo proibido” na Bélgica. “Nenhuma reunião é aqui permitida. Hotéis, bares, pubs, salas de concertos também estão fechados.”

De acordo com o editor da Experience, as empresas com grandes investimentos “estão a começar a sufocar” e continuam a apelar à ajuda estatal. “O setor conseguiu alguns bons acordos com as autoridades (comparativamente com os de outros países da União Europeia), mas o segundo confinamento não nos dá perspetivas no que toca à recuperação”, refere, adiantando que “a única esperança real é uma vacinação rápida da população”, ponto confirmado por uma pesquisa realizada este mês, pela Universidade de Antuérpia.

Nos primeiros meses do ano, houve um protesto nas ruas e nas redes sociais, intitulado ‘The Sound of Silence’. Depois do entusiasmo, o movimento foi perdendo força…  De qualquer forma, algumas empresas juntaram-se também ao internacional ‘Red Alert’. Iniciativas que visam chamar a atenção para atual situação do setor, das empresas e dos seus profissionais. E que apoios existem por parte do Governo? “Desemprego temporário para elementos da equipa, uma espécie de subsídio de desemprego para trabalhadores independentes, adiamento dos empréstimos e hipotecas bancárias, redução de impostos sobre os salários, fundos culturais, etc., mas a questão é que muitas empresas não são elegíveis para nenhum destes apoios estatais”, sublinha Jean-Paul Talbot, concluindo: “O setor dos eventos parece ainda ser um ‘novo conceito’ que não é totalmente entendido pelo Estado.”

 

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Eric Mottard (Grupo Eventoplus) | ©️ Grupo Eventoplus

 

Espanha

A velocidade com que tudo aconteceu e com que o setor dos eventos passou de indústria muito ativa a parada surpreendeu todos. As regras de atuação vão tentando acompanhar a evolução da pandemia e, neste momento, em Espanha, a realização de eventos no contexto atual “depende das comunidades autónomas”, como explica Eric Mottard, um dos diretores do Grupo Eventoplus, que publica a Eventos Magazine. “Na Catalunha/Barcelona, está tudo proibido: feiras, congressos, incentivos, convenções… Mas os concertos com limites de capacidade estão autorizados. Na maior parte do país, é possível fazer eventos presenciais. Fizemos o nosso evento de prémios em Madrid há nove dias, com 270 pessoas e jantar. Está autorizado, porque é profissional. Em encontros pessoais não está autorizado. A lei fixa limites de capacidade em cada comunidade autónoma (reuniões com menos de 30-40% de capacidade, por exemplo, na maioria do país) e fizeram-se feiras em várias cidades, também com 30-40% da capacidade”, refere Eric Mottard, que enumera uma série de normas a cumprir: as máscaras são obrigatórias, comida e bebidas apenas sentados, mesas de dez para apenas seis pessoas e, embora a distância entre cadeiras não esteja muito clara, colocam-se normalmente a um metro, entre outras.

O apoio ao setor dos eventos é “mais ou menos nada” e, apesar de algumas iniciativas de ajuda para o setor turístico, por exemplo, não houve “nada específico para o MICE”. “Creio que as palavras ‘eventos profissionais’ ou ‘MICE’ nunca apareceram em leis, exceto quando a Catalunha os proibiu. O nível de reconhecimento por parte da administração é quase nulo”, sublinha o responsável, que conta ainda que, nestes tempos atípicos, surgiram muitas associações de segmentos específicos, como de stands ou de agências de incentivo. “A solidariedade tem sido muito forte. O nosso ‘lobbying’ é muito deficiente, resta-nos trabalho de reconhecimento.”

Num mercado reinventado, o virtual tem sido a solução. “Os espaços abrem estúdios, os audiovisuais oferecem realização e streaming, as agências fazem eventos virtuais e as empresas de catering fazem caixas para team-buildings com cada um em sua casa. E tudo isto permite que as pessoas faturem alguma coisa”, afirma Eric Mottard, acrescentando: “Todos os fornecedores definiram protocolos sanitários. Mas o problema da procura é terrível. O Automóvel faz eventos, mas muito pequenos; serviços profissionais, grande consumo… Mas são sempre coisas pequenas. Resta-nos convencer os clientes de que se podem fazer eventos.”

 

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Sjoerd Weikamp (Event Branche) ©️ https://aromilehti.fi/

 

Países Baixos

“As associações de eventos fizeram uma pesquisa sobre a faturação do setor. As perdas previstas são de cerca de 80%. Há um corte extremo dentro da própria indústria dos eventos: as empresas de eventos que são flexíveis o suficiente para acompanhar a mudança do mercado para o online e as que simplesmente não conseguem acompanhar (decoração, venues, aluguer de serviços de eventos, catering, etc.)”, assim descreve Sjoerd Weikamp, da Event Branche, o atual momento do setor nos Países Baixos.

Nesta altura, e em termos gerais, os eventos estão proibidos, havendo exceções para grupos de até 30 pessoas, no máximo, dentro de uma sala. As feiras têm também mais ou menos possibilidade de realização, “mas o número de eventos que utilizam esta ‘liberdade’ é muito limitado”. E tudo isto sem esquecer as regras de distanciamento (de 1,5 metros) e de higiene. Para janeiro, estão marcados “eventos teste”.

A pandemia obrigou à adaptação e reinvenção. Sempre que foi possível, as empresas passaram para o mundo dos eventos online. “Alguns simplesmente não conseguiram acompanhar a mudança e estão a sofrer. Alguns utilizaram os seus serviços, produtos e experiência noutros setores: locais temporários para questões médicas, conceitos ‘drive-in’ ou ajudando centros de retalho locais. Na mesma linha, vê-se muitas ofertas caseiras: catering boxes, decoração em casa, etc.”, conta Sjoerd Weikamp.

O Governo dos Países Baixos “anunciou pacotes de apoio financeiro até ao segundo semestre de 2021”, também cobrem encargos fixos “até uma certa percentagem relacionada com a perda de receitas” e há ainda apoio “para os pagamentos salariais”. As autoridades estão a par das dificuldades, até porque já houve vozes que se fizeram ouvir. Um protesto, em Haia, foi notícia em todos os meios de comunicação social e juntou online 100 profissionais dos eventos. “Este foi o exemplo que até manifestações com distanciamento social são possíveis”, frisa o editor da Event Branche, adiantando terem oferecido ao Governo ajuda com o programa de vacinação.

 

Cláudia Coutinho de Sousa e Maria João Leite

Imagem de abertura: Meet@AlticeArena 2019