“Já sobrevivemos a várias crises e parece que vamos sobreviver a esta também”

Entrevista

23-11-2021

# tags: DMC , Eventos , Meetings Industry

Eduarda Neves, da Portugal Travel Team, é uma figura maior do MICE em Portugal e partilha com a Event Point o percurso, os desafios atuais e a sua visão sobre o setor.

Conte‑nos sobre o início do seu percurso. Porque é que enveredou pela área do turismo?

Começou quase há cem anos (risos). Acabei o 7º ano do liceu, antigo, em germânicas, ainda antes do 25 de Abril. Nessa altura não havia grandes opções na minha área, a escolha seria a universidade e depois dar aulas, que era uma coisa que não queria de todo fazer. Na altura andei à procura, optei pelo Instituto Novas Profissões, e fiz o curso de turismo e guia‑intérprete. E foi aí que começou. Depois chegou o 25 de Abril, não havia turistas e fui‑me embora. Estive uns meses na Suíça, na parte francesa, depois estive na Alemanha uns seis meses, a trabalhar. Voltei para Portugal e surgiu a oportunidade de ir para a Royal Air Maroc. Fui para Marrocos e estive lá dois meses. Devo dizer que é muito divertido estar em Marrocos, ir aos mercados, aprendi a negociar à maneira deles, mas vinha fresca com o 25 de Abril, com liberdade, e chegar a Marrocos e ser controlada daquela forma não me agradou, e o trabalho em si também não. O mais engraçado é que fiquei com medo de andar de avião, que não tinha antes. Mas passado algum tempo perdi esse medo.

Nessa altura havia imensos pedidos de guias para o Algarve, sobretudo a falar alemão, de maneira que fomos para o Algarve, eu e uma colega, à aventura quase. Trabalhei muitos anos com os vários operadores alemães, através de agências portuguesas. Fartei‑me um bocadinho daquele trabalho, que era muito repetitivo, e surgiu outra oportunidade: fui sales rep da Avis durante um ano. Mas também não era aquilo que eu queria.

E aí fui ter com um colega meu que tinha aberto uma agência havia um ano e perguntei se não havia qualquer coisa que eu pudesse fazer. Comecei a trabalhar e lá estive durante quase 12 anos. A agência tinha sede no Algarve e, ao longo dos anos, abrimos Lisboa, Porto e Madeira. Entretanto, as coisas modificaram‑se e surgiram algumas dificuldades na agência. Às tantas comecei a pensar ‘o que é que vou fazer?’ e foi assim que nasceu a Portugal Travel Team, em 1996. O primeiro escritório que abriu foi o de Lisboa no dia 2 de setembro, nem sequer foi o do Algarve ‑ a sede era lá ‑, e no fim de setembro abrimos o escritório no Algarve. Tínhamos já operações marcadas e começamos a trabalhar. E cá estamos ainda, já sobrevivemos a várias crises e parece que vamos sobreviver a esta também.

Nestes anos todos de trabalho na Portugal Travel Team, quais foram os momentos mais marcantes da vida da empresa?

O primeiro momento mais marcante foi quando convidei pessoas para trabalhar comigo e elas se despediram de onde estavam. Foi o pânico total, porque, de repente, o peso da responsabilidade era outro, tinha de ter dinheiro para lhes pagar os ordenados no fim do mês. A seguir, fizemos coisas muito engraçadas. Um dos momentos mais interessantes foi o Euro 2004. Eu tinha pensado em fechar o escritório e dar férias ao pessoal nessa altura, porque nunca fizemos nada ligado ao desporto, e, de repente, surgiu um cliente que nos pediu uma apresentação e ganhamos. A partir daí começaram a surgir mais pedidos. O mercado inglês já era muito forte para nós nessa altura, sobretudo conferências e kick‑off meetings e, a partir daí, foi um disparate. O que ganhamos foram dois programas muito grandes, foi uma loucura total. Tive que fazer obras no escritório, tinha três pessoas de Inglaterra a trabalhar aqui em permanência, fui buscar 16 estudantes da Escola de Turismo de Lisboa para andarem com as bandeirinhas a levar os clientes para o estádio. Éramos 30 no escritório nessa altura. O grosso do trabalho começou dois meses antes, e depois foram aqueles 22 dias a não dormir. No fim daquilo tudo, meti toda a gente num autocarro, fomos para a Praia do Meco, alugamos um restaurante só para nós e fizemos uma festa brutal, com DJ até às tantas da manhã. Há tanta coisa que nós fizemos que foram divertidíssimas.Mas tivemos também problemas com alguns clientes que, porque não pagaram, tivemos de lhes cancelar o programa. E cheguei a devolver dinheiro a uma cliente, porque estava a tratar mal a pessoa que estava a lidar com ela.

É importante essa capacidade de dizer ‘não’ a alguns clientes?

Não só a clientes. Não é fácil dizer não. E outra coisa que é muito difícil é pedir‑lhes dinheiro. Aprendi isso quando estive na outra agência. Tivemos uma operação que tinha conseguido contratar, de charter para o Algarve, com contratos de garantia e tudo mais, e o dinheiro nunca mais chegava. Encostei‑os à parede e, quando os encostei à parede, abriram falência. Se não tivesse sido obrigada a fazer aquilo, tínhamos perdido uma pipa de massa. Assim não perdemos. É preciso ensinar as pessoas a não terem medo de exigir aquilo que está em contrato.

Recuemos um bocadinho ao nascimento da Portugal Travel Team. De que forma é que o mercado e o destino mudaram de lá para cá?

Mudaram radicalmente. E uma das coisas que para mim é giríssima no turismo, e sobretudo nesta área do incoming, é a maneira como as coisas mudam tão rapidamente e nós também temos de nos adaptar rapidamente. Acho que se não fosse assim já me tinha chateado desta profissão. Todos os que trabalhamos em turismo estamos na linha da frente da inovação. Todos os dias estamos a aprender alguma coisa, todos os dias estamos a fazer qualquer coisa de diferente e de novo, e por isso nunca é monótono.

E em relação a Portugal como destino?

Mudou de uma forma brutal e para melhor ‑ podia ser melhor ainda, pode sempre ser melhor. Quando era guia, uma das coisas que gostava de fazer era os circuitos de Portugal. Fazia isso com os alemães às vezes semanas seguidas. Estamos a falar de 1980, 1981, por aí. A hotelaria no Porto era deprimente, em Lisboa também não estava muito longe disso. No Algarve estava muitíssimo mais desenvolvida. Restauração igual. Os acessos eram dificílimos. Agora é tudo muito mais fácil. A forma como a restauração tem evoluído no país é muito, muito interessante. Lembro‑me de que para a hotelaria ter um chef com algum nome e qualidade, sobretudo para os hotéis de cinco estrelas, normalmente tinham que ir buscá‑los ao estrangeiro. Hoje em dia temos chefs por todo o país a fazerem coisas giríssimas e saborosas, que se comem com os olhos.

Mas temos outras questões que são entraves ao desenvolvimento. Este ano, sobretudo com a história da bazuca e do tal PRR [Plano de Recuperação e Resiliência], que é assim uma coisa do outro mundo, o turismo parece que, de repente, passou a ser uma coisa pouco desejável. Não sei o que é que os políticos tencionam fazer a toda a infraestrutura que existe ‑ alguma coisa devem ter na cabeça ‑, nem a todos os postos de trabalho do turismo. Só em Lisboa, diretos e indiretos, acho que são cerca de 140 mil.

Concordo que temos de reduzir as emissões, temos de controlar o ar das cidades, tudo isso é perfeitamente normal, agora aquilo que se pretende fazer, praticamente proibir ‑ e é isso que está na calha e só não aconteceu ainda por causa da pandemia ‑ os turistas de aceder a restaurantes e a hotéis, porque não se pode circular com autocarros no centro da cidade, é uma coisa que está a dificultar a vida aos turistas e às empresas de turismo. Isto é um país em que as coisas são decididas hoje e entram em vigor hoje ao fim do dia ou amanhã. No turismo não se trabalha assim. Em alguns segmentos, como aqueles em que nós atuamos, já estamos a trabalhar para 2024, 25, e há outros que até estão a trabalhar para mais tarde do que isso. E quando as regras mudam assim de um dia para o outro, sem haver conversa ou abertura nenhuma para se chegar a alguma conclusão ou alguma solução que seja benéfica para todos, torna‑se mais difícil. Às vezes tenho a sensação, e sobretudo agora com a história do PRR, de que ignoram totalmente o turismo, que somos vistos quase como criminosos ou algo assim.

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Mudanças no papel dos DMC

Ao longo destes anos o que é que foi mudando no papel dos DMC? E de que forma esta digitalização acelerada provocada pela pandemia voltou a mudar esse papel?

O nosso trabalho mudou muito, vários anos antes da pandemia, por várias razões, não só em Portugal, mas noutros destinos, com outros DMC. Eu trabalho, sobretudo, com agências estrangeiras que organizam conferências e incentivos, não trabalho com o mercado nacional, e através dessas agências ou casas de incentivos, como lhes chamamos às vezes, o cliente final é sempre uma empresa. E uma das coisas que mudaram radicalmente foi que, ao longo dos anos, os corporate foram decidindo que a contratação de hotéis teria que ser feita diretamente por eles ou supervisionada por eles. Começou a acontecer e foi‑se normalizando. A contratação dos hotéis é feita normalmente pela agência estrangeira com quem estamos a trabalhar e nós ficamos com toda a organização local. Acho que a maior parte dos DMC que trabalham nesta área não tiveram problema nenhum em se adaptar a isso, porque sabemos perfeitamente porque é que isso acontece. Outra coisa que também foi sendo alterada foi a forma como faturamos o nosso trabalho. Dependendo do mercado e do cliente, podemos faturar de várias formas: ou pelo tempo que dedicamos a um projeto, pelo número de pessoas que está atribuída a um projeto ou então simplesmente por um markup nos preços de custo que, de um modo geral, é do conhecimento do nosso cliente, porque se começou a trabalhar de uma forma mais transparente do que no passado. Não é que se trabalhasse mal, ou que fosse escondido, era normal. Se eu comprava uma coisa a 100, podia cobrar 110, ou 120, e era assim que toda a gente fazia. Mas a partir de determinada altura começou‑se a trabalhar de outra forma. Está tudo muito mais aberto e muito mais transparente. E é bastante melhor.

Nós, hoje em dia, com muitos clientes temos um software, uma coisa simples, em que monitorizamos o tempo que é dedicado a um determinado projeto e ao fim de meses, às vezes ao fim de um ano ou até dois, temos a perfeita noção de quanto tempo e de quantas pessoas estiveram envolvidas. Sabemos exatamente o que nos custou e isso é importante.

E vê a pandemia como indutora de novas mudanças?

Aqui foi tudo para casa, reduzimos bastante o número de pessoas. Neste momento, estamos a contratar novamente. Houve pessoas que saíram por iniciativa própria, por várias razões, e houve pessoas que tivemos que mandar embora porque estavam a contrato e não podíamos arriscar. No início do ano pensava que ainda podia manter algumas das pessoas que iam renovar contrato em março, porque estávamos todos à espera de que em abril, maio, as coisas começassem a mexer, mas entretanto viu‑se que não, e não tive alternativa. Já temos uma pessoa que entra em outubro, outra em princípio em novembro, e no início do ano vamos contratar pelo menos mais duas ou três pessoas. E o que é que fizemos durante este tempo? Para mim foi um tempo de imenso trabalho e, sobretudo, sentada à secretária. Modificou completamente a minha vida, que era andar a saltar entre Lisboa, Algarve, Porto ou outro sítio qualquer, viagens de promoção e feiras, e algumas reuniões fora. Passei a ficar agarrada ao computador durante horas e horas e horas. Fizemos um website novo ‑ lançado em julho. Há uma coisa que devo dizer ‑ deve ser da idade ‑, as redes sociais são uma coisa que me cansa um bocado, e decidi que tinha que fazer alguma coisa em relação a isso, porque são essenciais hoje em dia. Muitos dos nossos clientes lá fora são da minha idade ou mais velhos, estão todos a reformar‑se e eu ainda não, mas os clientes com quem lidamos no dia‑a‑dia são uma geração muito mais nova, que se está nas tintas para as newsletters ou para o facto de termos um website novo. Eles vão às redes sociais e ver o que é que o Google diz sobre nós e, por isso, contratei uma empresa para tratar disso e contratei também uma pessoa que vai ficar com essa parte, além de outras coisas. Começamos também a certificação em sustentabilidade. Estive em Sevilha numa conferência que se chama TIS (Tourism Innovation Summit) e foi aí que tive o primeiro contacto com a Biosphere. Já começamos o trabalho, que é prolongado ‑ são cerca de 18 meses. Ainda estamos na primeira fase, que é sobretudo comigo, que tem a ver com a empresa em si.Estas certificações demoram sempre tempo, nós fizemos em 2005, se não estou em erro, a ISO 9001 e demorou um ano a implementar. Desde 2006 que temos a certificação e todos os anos temos as auditorias da SGS. O ISO para nós funciona lindamente, é muito mais fácil quando entra alguém de novo na empresa adaptar‑se a tudo aquilo que são as regras de funcionamento e a imagem é sempre a mesma. As regras estão bem definidas, está tudo escrito, e portanto é mais fácil as pessoas seguirem‑nas.

Já falou das crises que fomos passando, de que forma esta é diferente?

Esta é diferente porque nos afeta a todos. A crise de 2008 afetou‑nos bastante, em Portugal, esta crise afetou o mundo inteiro e nos próximos anos vai continuar a afetar‑nos como destino. Há mercados que não vão, tão cedo, conseguir enviar grupos, e mesmo individuais, para Portugal. Nós trabalhávamos bastante bem com a África do Sul e agora não se vê quando será possível sul‑africanos virem para a Europa. A Austrália igual. Era um bom mercado para nós, mas não se sabe quando vão começar a trabalhar.Ninguém sabe muito bem quanto é que vão custar as passagens aéreas. Se olharmos para antes da covid, os preços dos aviões ajudavam a que houvesse muito mais turismo. Não estou sequer a falar dos preços aqui dentro da Europa, ainda há dias a easyjet ou a Ryanair estavam com bilhetes a oito euros, mas não é desse turismo que estamos a falar, no nosso caso, e sim de grupos que são marcados com um ano de antecedência e em que se calhar o avião é comprado 10 meses antes. Esses preços, acho eu, vão ser muito mais altos nos próximos tempos. Isso vai afetar, obviamente, o fluxo de turistas para os vários destinos, não é só para Portugal.

Na crise de 2008 nós ‑ e quando digo nós, às vezes falo da nossa empresa, outras vezes também das outras empresas do mercado, porque estamos todos no mesmo barco ‑ perdemos clientes por uma questão de imagem, reputação. Lembro‑me de termos tido cancelamentos de programas que estavam vendidos, e que estavam prestes a acontecer, porque as empresas não queriam ser vistas a gastar dinheiro com um grupo que ia para um hotel de cinco estrelas fazer um programa qualquer enquanto que, ao mesmo tempo, havia montes de empresas a fechar, montes de gente a perder as casas, e a reputação delas podia ser afetada por isso. Agora não, agora foi porque era impossível viajar mesmo.

Não há hipótese de comparar esta pandemia com coisa nenhuma. Toda a gente foi trabalhar para casa e foi uma loucura de cancelamentos, de tudo e mais alguma coisa, e não só o que estava para esse ano. O que estava para 2020 passou para 2021, depois de 21 para 22, ou foi cancelado definitivamente. Todo o trabalho que tem havido é isto. Agora faturar… zero, praticamente desde março. Tínhamos cinco grupos este mês, dos cinco só chegou um, reduzido quase para metade, e os outros foram adiados.

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Retoma um bocadinho mais lenta

Como é que vê o que resta deste ano?

No nosso caso, como tudo o que tínhamos em outubro foi passado para o ano que vem, o mês ficou um bocadinho fracote. Tivemos pedidos ótimos para novembro, pedidos já este ano, e para grupos muito grandes, mas na altura ainda havia restrições no número de pessoas nas salas de reunião, e por causa disso acabaram por não vir para Portugal. Sei que há colegas que estão a funcionar bastante bem daqui até ao final do ano, o que é ótimo, mas no nosso caso não. O que também tem a ver com os mercados que se tem.

Com esses desafios todos das viagens internacionais e do que acontece nos outros países, como é que vê a retoma para a Portugal Travel Team?

Se continuarmos como estamos em termos de pandemia, a conseguir abrir portas e com a vacinação completa, acho que vamos ter uma retoma, talvez um bocadinho mais lenta do que pensávamos, mas vamos tê‑la. Estamos a trabalhar e m mercados diferentes, têm mais facilmente acesso a Portugal, mais próximos, e que trabalham mais em cima da hora. Os mercados americano e canadiano trabalham com muita distância, há outros mercados que trabalham mais em cima da hora. Os pedidos podem chegar dois ou três meses antes da coisa acontecer, e é aí que estamos a apostar neste momento. Não me parece que 2022 vá ser um ano brilhante, no nosso caso. 2023 de certeza será bastante melhor e 2024 também. Trabalhando muito na área dos incentivos, estes pressupõem, para existirem, que as empresas que estão a organizar esses incentivos ‑ os corporate, não as agências ‑ têm vendas que justificam fazer um incentivo, porque têm possibilidades de aumentar essas vendas. Ora, numa situação em que haja desemprego, o consumo seja fraco, não há hipótese de subir vendas e como tal não há incentivo. Por isso é que sempre achei que 2023 e 24 seriam anos de efetiva retoma, sobretudo no segmento dos incentivos.

As conferências vão retomar também, mas agora temos outro tipo de conferência, vai ser muito mais híbrido do que era. Isso vai influenciar bastante os custos. Por um lado, vamos poder, como destino, ter conferências que nunca viriam a Portugal porque não teríamos capacidade. Estamos limitados aos centros de congressos que existem e não temos grande hipótese de acolher mais do que 1.500 ou 2.000 pessoas. Temos de olhar para isto de vários pontos, de várias formas.

Independentemente do que os políticos dizem e fazem ou dos investimentos que acham importantes, ou não, para o turismo, acho que vamos continuar a ser um belíssimo destino turístico. Há regiões que se têm desenvolvido de uma maneira brilhante. Há muita gente com muita imaginação que tem feito coisas brilhantes por esse país fora, em termos de alojamento, de animação.

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A importância do associativismo

Neste período confirmou‑se a importância do associativismo?

Acho que sim. Estive na direção da APAVT alguns anos, consegui juntar os DMC, muitos deles, num grupo de DMCs que se dedicam mais ao segmento MICE, e consegui que se pusessem a falar. Conseguimos pôr em cima da mesa alguns dos grandes problemas que nós temos enquanto DMC, mas que o destino também tem. Um deles é um gravíssimo problema de falta de competitividade em relação aos outros destinos europeus, e que passa pela questão do IVA. Ao contrário do que muita gente diz, “vocês não querem cobrar IVA”, nós queremos IVA sim, agora o que queremos é que o cliente possa, tal como em Espanha, França, Itália, recuperar o IVA. Devíamos ser tratados como um exportador, que é aquilo que nós somos. E não somos tratados como um exportador. Tudo por uma questão de um erro de tradução. O traveler foi traduzido por viajante e tramou isto tudo. O nosso IVA é completamente ridículo, porque nós não vendemos ao cliente final, nós fazemos B2B. Ao fazer B2B devíamos poder faturar regime geral e o cliente devia poder recuperar o IVA. Mas não é esse o caso. Claro que Espanha olha para as coisas de outra forma, olha para a possibilidade de desenvolvimento e crescimento do negócio e do turismo, por isso mesmo é que hoje em dia é o primeiro destino na Europa, com maior número de turistas. Espanha, pura e simplesmente, deu a possibilidade aos clientes de recuperarem o IVA. A Alemanha faz o mesmo, e a Itália, e a França. Em Portugal fatura‑se ao cliente como se fosse cliente final, o que é uma parvoíce. Conseguimos levar essa luta à APAVT quando estava na direção. A APAVT percebeu qual era o fundo da questão e continuou a lutar pela falta de competitividade fiscal que nós temos como destino. E mesmo dentro de portas, porque a animação turística não tem que seguir as mesmas regras das agências de viagem, não faz sentido.

Saí da APAVT porque já lá estava há nove anos, era altura de deixar para outras pessoas seguirem em frente e continuarem a luta.

Que balanço faz desses nove anos?

Para mim, pessoalmente, foi interessantíssimo. Uma coisa interessante na APAVT é o facto de agregar todo o tipo de agência de viagem e de operador turístico. Isto é tudo muito segmentado, mesmo a nível de incoming há uma grande segmentação, e foi interessantíssimo para mim perceber todas as dificuldades das várias áreas do turismo nas agências de viagem e perceber toda a problemática que ali está envolvida. E aquilo que tentei fazer enquanto lá estive foi trazer à APAVT aquilo que eu e os meus colegas achávamos que era importante na nossa área, para tentar encontrar soluções. Fiquei a perceber muito melhor uma série de coisas que se passam, em segmentos diferentes.

E como é que surge a EUROMIC?

A EUROMIC é uma associação que existe desde 1973. É a associação mais antiga de DMCs independentes, dedicados quase em exclusivo ao segmento MICE. Foi criada como uma forma de promover os fundadores, que eram, sobretudo, agências da Europa e do Mediterrâneo no mercado americano, no mercado de incentivos. Começou a participar com stands próprios nas feiras dessa área e, a pouco e pouco, foi crescendo em termos de associados. Normalmente, as agências entram por convite, uma por país, mas, apesar disso, tem que haver sempre apresentação de proposta com uma série de perguntas, histórico, histórico financeiro, para depois os associados fazerem a votação. Entramos e passado uns dois anos acabei por ser eleita para o board também. E agora sou vice‑presidente do board. Se a APAVT era interessante por ter todo o tipo de agências, aqui na EUROMIC ainda mais.

Que mais valias sente de participar numa associação como essa?

Temos uma base de dados gigante, que agora temos de limpar, porque muita gente desapareceu do mercado; temos uma série de processos que estão estipulados; uma base de dados onde temos contratos, documentos sobre risk management. Nada é obrigatório porque somos uma associação de agências independentes, mas trocamos informação sobre clientes, sobre mercados, sobre concorrência. Antes da pandemia, fazíamos imenso treino. Temos uma academia de Young Leaders e, todos os anos, fazíamos uma ou duas vezes formação num dos nossos destinos, e qualquer um de nós podia enviar uma ou duas pessoas para esse treino. com a participação das entidades locais, dos convention bureaux. Podemos fazer troca de staff. Fazíamos três feiras: IMEX Frankfurt, IMEX America e IBTM com stand próprio, fazemos também outro tipo de feiras dependendo do interesse dos associados. Temos um mundo de destinos, e uma das ideias é fazer o cross‑selling, quando temos um cliente connosco, tentar saber para onde vai para o ano, porque este tipo de cliente não vem sempre para o mesmo destino, todos os anos muda, e tentamos apresentar o colega que está nos destinos a seguir. Isto sem haver trocas de dinheiro, nós não cobramos comissões entre nós. Uma das coisas em que estamos a trabalhar agora é precisamente nos reviews dos nossos associados, os Google reviews, temos uma página de internet nova e estamos a tentar dar a possibilidade aos clientes de nos classificarem com mais frequência para, por aí, podermos ter também mais visibilidade junto de clientes mais novos. Fazemos sempre uma assembleia geral em janeiro. Em janeiro de 2020 foi em Cascais, porque mudamos a sede da associação para Portugal. A sede era em Paris, o escritório era em Bruxelas, o contabilista estava na Áustria, era muito confuso e resolvemos meter tudo em Portugal. Estamos em Lisboa desde 2019. Agora, claro que a maior parte dos nossos associados não está com disponibilidade para pagar os fees que habitualmente pagávamos anualmente, para conseguir incluir tudo isto. Portanto, estamos a trabalhar com um orçamento mais reduzido e estamos a controlar as coisas. Estamos a trabalhar mais em vendas, conseguimos contratar uma empresa que está a fazer as vendas em exclusivo para a EUROMIC nos mercados de língua alemã, e estamos à procura de outros noutros mercados, que o que vão fazer é vender todos os destinos da EUROMIC.

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IVA: “Não podemos é desistir”

Ouvimos uma queixa recorrente, de uma certa invisibilidade desta indústria dos eventos perante os decisores políticos. Sentiu‑a? E consegue encontrar as razões?

Sente‑se todos os dias. Por isso mesmo a APAVT tentou, com o Dr. Augusto Mateus, perceber junto dos associados qual é o valor do incoming em Portugal. O estudo foi depois editado em livro e a seguir, com a Ernst & Young, que comprou a consultora dele, fez uma nova edição com mais informação, para se perceber qual é o peso que nós efetivamente temos na economia nacional. Independentemente disso, nós, apesar de faturarmos muito e termos um grande peso na economia, somos poucos. O meu voto é só um, não consigo multiplicar o meu voto pelos milhões que posso eventualmente faturar. Daí a invisibilidade. É só uma questão de votos, mais nada.

E como é possível contrariar isso?

A APAVT bem tem tentado. O grande público nunca vai perceber, nem estar interessado, mas isso é natural. Este segmento é uma coisa tão diferente do que é habitual que as pessoas obviamente não vão perceber. Por isso é que a associação é importante e, juntamente com uma confederação, tenta trazer, não digo ao grande público, mas pelo menos ao público do trade, e aos governos ‑ ou aos desgovernos, neste caso ‑, o tema. Mas mesmo assim não é fácil.

É preciso persistência, não largar o osso, e pode ser que se chegue lá um dia. O não é sempre garantido, há‑de chegar o dia que passa a ser sim. Não podemos é desistir.

Cláudia Coutinho de Sousa

© Cláudia Coutinho de Sousa Redação