O cerimonial militar e as entidades civis

Opinião

06-07-2022

# tags: Protocolo , Eventos

As questões de Protocolo em qualquer cerimónia são sempre um fator fundamental na agregação de valor a essa mesma cerimónia. 

Contribuem para projetar uma mensagem global de profissionalismo da entidade organizadora ou, ao contrário, quando o Protocolo não é devidamente considerado ou corretamente aplicado, concorrem para deixar uma imagem de amadorismo, quase sempre difícil de entender e justificar.

Regra geral, as entidades anfitriãs, sobretudo as privadas, consideram “necessário” o Protocolo quando entidades oficiais vão participar nos seus eventos. E, outro segmento de público que costuma, igualmente, gerar preocupação no que ao Protocolo diz respeito, são as entidades militares. Com efeito, o Cerimonial Militar afigura‑se‑nos a nós, civis, como um conjunto de rituais e práticas revestidas de enorme beleza, formalidade e complexidade.

E quando na lista de convidados estão personalidades das Forças Armadas, logo uma das primeiras questões que se colocam a quem organiza e implementa planos de seating é onde “colocar” os militares. Natural e justificadamente, tememos o que não conhecemos.

Não é, portanto, suposto que os civis saibam de Cerimonial Militar, mas sim que saibam como receber dignamente e respeitar as autoridades militares em eventos civis (aliás, princípio aplicável a qualquer autoridade). Do conhecimento de todos nós é, também, o facto de que a instituição militar assenta numa estrutura marcadamente hierarquizada e, consequentemente, protocolar. Além da comunicação verbal, a não-verbal, constituída por uma série infindável de gestos simbólicos, assume uma enorme importância. Disciplina e rigor são as palavras de ordem!

Alguns aspetos práticos a considerar:

. Na elaboração da lista de convidados, além dos dados necessários para todas as pessoas (título, nome, cargo/função, instituição, etc.) é importante considerar para os militares também a data de posse/antiguidade no cargo. Sugere-se verificação rigorosa da patente e da inerente forma de tratamento. Os convites que são dirigidos a altas entidades militares devem ser apresentados preferencialmente por carta-convite ou convite impresso, em detrimento de convites digitais.

. Notas gerais quanto a precedências:

Para efeito de implementação de precedências, à Lei das Precedências do Protocolo do Estado Português (Lei nº 40/2006) deve associar-se a Lei Orgânica do Estado-Maior-General das Forças Armadas (Decreto-Lei 19/2022) e leis orgânicas dos ramos. Pode igualmente ser necessário consultar o Estatuto dos Militares das Forças Armadas (DL n.º 90/2015), bem como a Lei Orgânica do Ministério da Defesa Nacional.

Considere-se que, mesmo em cerimónias e eventos organizados por anfitriões civis, os militares se colocam sempre por ordem hierárquica de postos e antiguidade, respeitadas as precedências legais, de acordo com as funções que exerçam ou cargos que desempenhem. Também em termos protocolares, os militares na efetividade de serviço precedem os militares na reserva ou na reforma. O Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA) é o militar de máxima hierarquia (posição 11 na Lei nº 40/2006), seguido pelos Chefes dos Estados-Maiores da Armada, do Exército e da Força Aérea (posição 21 na Lei nº 40/2006). A ordenação dos ramos é Armada/Exército/Força Aérea, mas note-se, porém, que os respetivos detentores são ordenados por antiguidade no cargo e não pela ordenação dos ramos propriamente dita.Almirantes da Armada e Marechais integram a posição 24 da Lei nº 40/2006. O posto de Marechal, posto honorífico, não existe na atualidade em Portugal. Esta precedência é atribuída aos oficiais generais de quatro estrelas.

Nas posições 25 e 28 da Lei nº 40/2006 estão, respetivamente, o Chefe da Casa Militar do Presidente da República e os Chanceleres das Ordens Honoríficas Portuguesas, cargos igualmente ocupados por militares.

Na posição 34 da Lei nº 40/2006 encontra-se o Comandante-geral da GNR e o Diretor Geral da PSP. Também as posições 46 e 47 desta lei integram entidades militares, bem como diversos outros cargos considerados na Lista de Precedências que podem ser desempenhados por militares.

Fundamental é considerar que a Lei nº 40/2006, por si só, não é suficiente para implementar precedências de entidades militares, precisando sempre de ser complementada com regulamentação sobre o estatuto dos diversos cargos.

. Recorde-se que os militares são distribuídos por categorias, subcategorias e postos. Existem três categorias, oficiais, sargentos e praças. A categoria de oficiais engloba a subcategoria de oficiais generais, oficiais superiores e oficiais subalternos que, por sua vez, se subdividem em diversos postos com diferentes designações conforme os ramos (vide Estatuto dos Militares das Forças Armadas). Considere-se também que existem equiparações de categorias com a GNR e a PSP. -Um outro aspeto a ter em conta quando se consideram temas protocolares é a questão dos trajes. Uma entidade anfitriã civil que emita um convite no qual conste informação sobre o traje a usar na cerimónia deverá, tão somente, referir o traje civil (por exemplo, fato escuro, smoking, fraque, etc.) recorrendo à expressão “smoking ou uniforme militar correspondente”, na medida em que os militares conhecem a respetiva equiparação face aos seus uniformes, consoante o ramo.

. No âmbito do Cerimonial Militar, refira-se ainda, a título informativo, a legislação designada como “Regulamento de Continências e Honras Militares”, considerando que entidades não militares têm direito a honras militares (por exemplo, o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República, o Primeiro‑ministro, os Presidentes do Tribunais Superiores, os Representantes da República para as Regiões Autónomas, os Presidentes das Assembleias e dos Governos Regionais da Madeira e dos Açores, Chefes de Estado estrangeiros, entre outros).

. Tema de enorme importância a ter em conta é, logicamente, o respeito pelos Símbolos Nacionais. Neste âmbito, recorde-se que é obrigatório cumprir as regras gerais que regulamentam o uso da Bandeira Nacional, expressas no Decreto-Lei n.º 150/87 (o que lamentavelmente nem sempre sucede). Igualmente se recomenda que no caso de ser necessário dobrar a Bandeira Nacional, esta dobragem seja feita corretamente e seguindo os respetivos passos (no final a bandeira deverá estar dobrada revelando o escudo nacional em forma de retângulo).

. Portugal é membro de pleno direito das Nações Unidas (ONU), da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), da União Europeia (UE), da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e todas estas instituições internacionais têm os seus sistemas protocolares específicos.-Por fim, a indicação de que a continência é uma cortesia exclusivamente militar.

Conclusão

Os convidados de um evento ou participantes numa cerimónia têm sempre a expectativa, maior ou menor, de receberem um tratamento protocolar respeitador e condigno com o cargo que desempenham, o que traduz, até em primeira instância, o respeito do anfitrião pela instituição que representam.

Com as entidades militares, uma gafe protocolar, além de imediatamente identificada, revela desconsideração também com os valores que a Instituição Militar representa, isto é, o respeito e o serviço à pátria.

© Cristina Fernandes e Susana Casanova Opinião