Açores: educar para a sustentabilidade, proteger o ambiente e ouvir a comunidade

Reportagem

13-03-2024

# tags: Açores , BTL , Turismo , Sustentabilidade , Conferências

Os Açores estiveram presentes na BTL, onde realizaram a conferência ‘Destino Açores: Sustentabilidade como Pilar do Turismo’.

Organizada pelo Visit Azores e pela Event Point, a conferência contou com a presença de stakeholders de várias áreas, para, em dois painéis, abordarem o tema da sustentabilidade em diferentes dimensões. Há várias ideias que sobressaem: é preciso educar para a sustentabilidade, proteger o ambiente e a natureza dos Açores e ouvir a comunidade local.

O primeiro painel foi dedicado à animação turística e aos eventos sustentáveis e teve a participação de Luís Bernardo Brito e Abreu (Blue Azores), Carlos Picanço (Futurismo Azores Adventures) e Luís Banrezes (Festival Tremor).

“O mar marca não só a nossa identidade, quer seja cultural, do nosso dia a dia, da nossa economia, da nossa maneira de viver, do nosso bem-estar nos Açores, enquanto região arquipelágica, mas também tem um enorme potencial a nível do ativo marinho”, começa por explicar Luís Abreu, que frisa que “podemos ter no mar um dos nossos ativos mais valiosos”.

Mas tudo tem de ser feito de forma pensada e sustentável. “É muito importante pensarmos que a proteção da natureza deve estar em equilíbrio com o desenvolvimento turístico, mas, sobretudo, com a sustentabilidade, quer seja ela económica, social ou ambiental, das sociedades anfitriãs”, sublinha.

Carlos Picanço não vê o mar como o produto, mas como o “cenário” onde se trabalha com o cliente. Defende que, através da educação, é preciso criar “um momento de conexão do cliente ao mar e aos animais” – que são um “parceiro” e não um produto –, proporcionando aos visitantes experiências emotivas e educativas.

“Temos 14 biólogos marinhos a trabalhar continuamente na criação de novas ideias, para conseguir tocar nas pessoas. E as pessoas, ao saírem daquela experiência, saem com uma noção de que fazem parte daquele meio”, conta, adiantando que é preciso explicar ao cliente qual o seu papel e que, por exemplo na "natação com golfinhos, são a parte menos importante da experiência”. Apesar de haver mais consciência, a educação é o caminho, avança. “A educação deve estar sempre em tudo o que nós fazemos no turismo; e no mar, muito mais ainda.”

Luís Banrezes dirige o Festival Tremor, um festival de música que decorre na ilha de São Miguel. Entende que a ilha “pede muitas coisas, nomeadamente preservação”, e que essa atitude protetora, de alguma forma, se propaga aos visitantes, que também acabam “por respeitar todas essas premissas que a própria ilha apresenta”. E o Festival Tremor tem muito a ver com essas premissas, que passam, acima de tudo, por “respeitar a ilha”.

Luís Banrezes garante que houve sempre uma preocupação com o ambiente na realização do festival, ao longo dos seus 11 anos de atividade, e que a presença do Tremor na ilha “é zero”. A comunicação foi desmaterializada e visualmente Ponta Delgada permanece como está. “E quando pensamos no festival, olhamos para a ilha, vemos o que é que ela pede, o que é que ela necessita, e aplicamos”, em parceria com outras entidades.

“Devemos envolver cada vez mais as pessoas, ouvi-las de facto”


Luís Abreu considera que os turistas que visitam os Açores valorizam cada vez mais “a sustentabilidade, a honestidade, a experiência, do que propriamente o produto em si”. Além disso, e no que toca à cultura, os destinos periféricos remotos conseguem hoje “ter dinâmicas culturais contemporâneas, não só ligadas ao património, à cultura ancestral e à tradição”, mas que também “dão cartas em qualquer palco internacional e funcionam em rede”. O tecido cultural açoriano está “interconectado” e trabalha muito localmente. E tudo isto se faz “em rede”, tal como a questão da preservação e da sustentabilidade, explica.

A colaboração entre parceiros “é muito importante”, mas é também “uma das coisas mais difíceis de fazer”, aponta Carlos Picanço, que defende um cenário de crescimento “todos juntos em competição e colaboração simultânea”.

Na área cultural, e sendo o Tremor um “festival de venues”, as parcerias existem, diz Luís Banrezes, que realça que a realização do festival “era impossível se não acontecesse em rede”. Nessa exploração da cidade e da natureza existe “conversação” e “articulação” com quem percebe. É que “intervir de alguma forma na ilha também tem que ser benéfico para as pessoas que lá vivem, não podemos fazê-lo só por fazer”.

Para Luís Abreu, é importante encontrar um equilíbrio entre o ambiente, o potencial do turismo em termos de desenvolvimento económico e as pessoas, “que é, talvez, o ativo mais importante”. “Todos nós sabemos o perigo que existe à volta de um turismo mal gerido, a nível da gentrificação, a nível da delapidação dos ecossistemas, portanto, isto é um trabalho que tem que ser feito constantemente”, o de coordenação e de definição clara dos objetivos e “como é que eles depois funcionam no terreno a nível de políticas públicas, a nível de envolvimento da comunidade”.

Carlos Picanço afirma que a autenticidade e a cultura não são uma “coisa estanque” e que “o turismo é dinâmico, deve ser dinâmico, deve ser conversado entre todos. E acho que é esta parte de filosofia que nos falta um bocadinho”, lamenta. “Acho que devemos envolver cada vez mais as pessoas, ouvi-las de facto, e as pessoas sentem quando é que estão a ser ouvidas.”

Pôr os mais jovens a dar valor ao seu “capital natural azul”


Junto dos mais jovens, a estratégia passa por ajudar a compreender os ativos, naturais ou identitários, da sua terra. Luís Abreu fala do programa Blue Azores, que pretende educar para uma ‘geração azul’, capacitando professores em todas as ilhas, para que os alunos deem valor ao seu “capital natural azul”. Há ainda um outro programa “dedicado aos pescadores, ao nível da valorização e da proteção do ambiente”.

Para Carlos Picanço “é fácil pensar no público mais jovem”. Nas embarcações e em terra, a Futurismo disponibiliza material de suporte, bem como trabalha com os pais para entender as necessidades das crianças, dando-lhes experiências diferentes. No que toca às crianças locais, há projetos nas escolas e várias ações, conteúdo que lhes chega também através da gamificação.

Luís Banrezes considera que incluir o público mais jovem é “obrigatório” e que o programa do festival também é “ajustado e atualizado nesse sentido”. O envolvimento dos mais novos, nos Açores, passa muito pela formação, pela intervenção nas escolas, passa por ouvi-los.

O festival Tremor chega ao público de várias formas. Uma delas une a música e as caminhadas. Existem atualmente, através de residências artísticas, 12 trilhos com banda sonora. E entre os novos projetos que estão a tentar desenvolver está um para atrair o público mais jovem, colocando atrações digitais pelo caminho, “uma espécie de jogo” – aqui, não se retira propriamente a criança das tecnologias, “mas conseguimos retirá-los de casa para fazerem o trilho e brincarem um bocadinho com o telemóvel à procura” das esculturas digitais.

Carlos Picanço recorda que o turismo não é só fazer mexer as pernas, mas que é preciso também “mexer a alma”. “Nós não somos aquilo que nós queremos, nós somos aquilo que as pessoas procuram em nós”, sustenta.

“Os Açores são um destino para todas as idades e para todo o ano”


O segundo painel foi dedicado à experiência sustentável no alojamento e no transporte aéreo e contou com a participação de Carolina Mendonça (Azores DMO), João Pinheiro (Associação do Alojamento Local) e Graça Silva (SATA).

Sobre o desafio da sazonalidade, Carolina Mendonça considera que as “estratégias para combater a sazonalidade vão ter de passar pelas acessibilidades, mas também pela oferta de um produto turístico que o turista possa usufruir durante a época baixa”. Assim, é preciso trabalhar não só o produto de natureza, como outros mais relacionados com a cultura e património. É preciso também atrair os turistas para outros locais: “Temos nove ilhas e há muito para ver e muito para conhecer.”

Carolina Mendonça alerta que, “se continuarmos a viajar e a fazer turismo de uma maneira que é predatória dos territórios, nós não vamos ter territórios para visitar, nós não vamos ter a autenticidade, nós não vamos ter comida para saborear, e tudo isso é aquilo que nós queremos experimentar no destino”. Defende que experiências sustentáveis significam mais do que cuidar apenas do ambiente, mas também da parte económica e da comunidade local. “É a única forma de fazer turismo”, frisa.

Graça Silva assegura que, no combate à sazonalidade, a SATA tem “feito um caminho de maturação de algumas rotas”. Além de operar todo o ano entre as ilhas, no continente e na América do Norte, a companhia aérea fez uma “aposta muito grande” em voos europeus que chegaram também à época baixa. “Porque é este o mote, os Açores são um destino para todas as idades e para todo o ano”, sublinha. E o “trabalho de formiguinha” já se começa a notar, tendo em conta os “números muito interessantes” de setembro e outubro.

Por seu lado, João Pinheiro aponta a época baixa como uma grande preocupação da Associação do Alojamento Local, que pretende “mitigar a sazonalidade”, frisando que é importante olhar para o alojamento local como “dinamizador do turismo”. Adianta que, cada vez mais, a sazonalidade “é menor” e que não se deve perder o “desenvolvimento” dos últimos anos. “Acho que tem que haver uma estratégia de transportes”, já que o arquipélago depende “imenso dos transportes aéreos”, pelo que esse investimento deve ser a “primeira estratégia a tomar com firmeza”.

Quando se trabalha em turismo é preciso haver “muita parceria e muita colaboração”, como refere Carolina Mendonça, até porque “nós não teremos um turismo mais sustentável se não houver uma gestão sustentável do próprio território”. E refere novamente que é preciso “tornar o território mais sustentável, não só a nível ambiental”, sublinhando que “temos que cuidar das pessoas” e ouvir os locais.

Para Carolina Mendonça, a educação é “um pilar muito importante”. “Educação e formação, tanto para qualificarmos a oferta do nosso destino, porque quem procura os Açores vai procurar uma oferta diferenciadora”, como relativamente à “própria proteção e conservação do ambiente”, porque “nós não conseguimos conservá-lo se nós não tivermos a consciência do porquê que é importante conservá-lo e do porquê que é importante trabalharmos em conexão com o ambiente que nos envolve”.

Graça Silva também considera que a sustentabilidade “tem uma área de responsabilidade social que muitas vezes é esquecida”. Lembra que, mesmo com poucos habitantes, há um hábito nos Açores de trabalhar “cada um no seu quintal”, pelo que defende uma postura “juntos somos mais fortes”, para criar sinergias “diferentes e para o bem comum”.

Para João Pinheiro, o trabalho em rede é “muito importante” para a marca Açores sair fortalecida; por isso, é importante que haja “uma comunicação cada vez mais constante” entre os stakeholders. “Não estamos a trabalhar unicamente para nós, estamos a trabalhar para um destino”. Além disso, defende que “a sustentabilidade tem que ser sempre uma imagem de marca dos Açores”.

“Ser sustentável tem que passar a ser um modo de vida”


João Pinheiro não acha que este seja “o momento ideal” para a implementação de uma taxa turística. Considera que esta “é uma medida que tem que ser vista com cuidado” e que, antes disso, tem de haver uma maior “maturidade” dos Açores, enquanto destino turístico.

Por seu lado, Graça Silva é “a favor” de uma taxa turística, “logo que haja em planeamento o que fazer com ela”. Refere que tem de ser pensada numa lógica de “minimizar o impacto da pegada ambiental na região”, talvez não para este ano, nem para o próximo… “Seria uma mais-valia” se essa taxa turística fosse utilizada “para o bem da sustentabilidade da região”.

Carolina Mendonça concorda com ambos. É a favor de uma taxa turística, mas talvez não ainda. “Temos de melhorar esta gestão holística do território, perceber melhor quais são as nossas prioridades e então depois, mais tarde, quando o território estiver mais bem consolidado em termos de oferta turística, aplicarmos esta taxa.”

Defende que se turistas ficarem mais tempo não só podem visitar mais ilhas, como podem diluir a sua pegada ambiental causada pela viagem. E realça também a adoção de comportamentos saudáveis e éticos. “E há práticas simples, aliadas à experiência sustentável”, como a reciclagem, o apagar a luz ao sair do apartamento, o evitarem as garrafas de plástico ou o respeito pelas sinalizações nas caminhadas e pelas comunidades locais. “Ser sustentável tem que passar a ser um modo de vida”, não é preciso falar disso todos os dias, porque deve “estar intrínseco no nosso modo de vida, no nosso modo de ser e no nosso modo de viajar”.

Se tivessem o dom e a oportunidade de resolver um problema, Graça Silva iria resolver a questão da pegada ambiental nas viagens. “A parte de combustíveis, sem dúvida”, com aeronaves “que conseguissem não deixar pegada nenhuma”. João Pinheiro deseja “mais voos na época baixa”, já que a “sustentabilidade económica das empresas ficava muito mais forte; conseguíamos contratar pessoas e ter pessoas com rendimentos melhores”.

Carolina Mendonça dava atenção à edução. “É necessário haver uma reforma dos programas educativos”, incentivando as crianças e jovens a perceber “como é que está tudo envolvido e conectado”. Um outro problema a resolver é o da valorização das profissões, já que há muitas profissões precárias, de muitas horas e fora de horas. Defende empresas ‘desburocratizadas’, que valorizem as pessoas e que façam com que estas permaneçam por mais tempo na empresa”, dando-lhes formação e promovendo “a evolução das suas carreiras”.

© Maria João Leite Redação