João Vasco: “Não há dias iguais e isso torna tudo mais interessante em termos de criatividade"

Entrevista

11-03-2022

# tags: Eventos , Vida de Eventos , Criatividade

Nem sempre João Vasco esteve ligado à indústria dos eventos.

Ser fotógrafo não passava de ‘hobby’, para o qual aprofundou conhecimentos com um curso pós‑laboral, e era no setor bancário, vestido de fato e gravata, que pensava estar o seu futuro. Mas, há cerca de uma década, quando o banco onde trabalhava fechou, decidiu aproveitar os conhecimentos de fotografia e tentar descobrir se o seu olhar surpreendia. E os feedbacks não foram de todo negativos, o que deu motivação extra para continuar, conta João Vasco.

“Passados dois meses de ter saído do banco, comecei a trabalhar na empresa smiletogether, onde permaneço até hoje; uma empresa pequena, mas com a dimensão do mundo em ideias”, que fornece vários serviços para eventos e que conta com um serviço de fotografia e vídeo também muito direcionado para o setor. “Sou responsável por este departamento, do qual tenho um orgulho imenso.”

Na área dos eventos, “aquilo que mais me motiva é, sem dúvida, o storytelling daquele dia, ou daquelas horas. Gosto que as pessoas olhem para as fotografias e sintam o evento num todo, do início ao fim do mesmo, principalmente quem não esteve presente no dia e não conseguiu acompanhar”. João Vasco tem um cliente e amigo que lhe diz, muitas vezes, que as suas fotografias “conseguem ser mais do que aquilo que o evento foi na realidade” e o fotógrafo revela que ouvir isso “é muito motivador para continuar a fazer mais, melhor e, acima de tudo, diferente; e é nessa diferença que está a nossa identidade”.

Do que mais gosta nesta atividade é “a surpresa do evento em si”. E explica: “Todos os eventos são diferentes, em tamanho, em espaço, em quantidade de pessoas, em localização, decoração, meios técnicos, oradores, etc., e muitas vezes, salvo exceções, só vejo o espaço no dia. Gosto de chegar e sentir o nervosismo que antecede o evento e, acima de tudo, ser surpreendido. Nesta área não há dias iguais e isso torna tudo mais interessante em termos de criatividade.” E tendo de destacar algo menos positivo, João Vasco indica o desgaste físico; as vezes em que, no final de um evento, o corpo pede para abrandar. “O peso das máquinas, lentes, flashes, baterias, é sempre um fator a ter em conta para quem anda quilómetros em eventos. E, se queremos planos diferentes, não vamos conseguir tê‑los se ficarmos no mesmo lugar. Por isso, será esta a parte menos glamorosa do meu trabalho.”

“Nós somos pessoas de afetos e isso não se pode perder...”

No capítulo dos eventos marcantes, João Vasco destaca dois: os Encontros EDP, evento organizado pela Desafio Global, que decorreu na Altice Arena em fevereiro de 2020, e o Velo‑city, organizado pela GR8.Events, em setembro do ano passado, em Lisboa. Do primeiro, diz ter sido “um evento de uma ambição enorme e com um resultado visual sem precedentes em Portugal”, lembrando o enorme túnel de 180º e as projeções 3D nos leds ao redor. “Visualmente, era fascinante ver 6.000 convidados sentados a olhar para o teto e paredes laterais com animações a passarem de um lado para o outro e a perguntar: ‘isto está mesmo a acontecer?’. E o melhor de tudo é que estava…”

Do segundo, já durante a pandemia, numa altura “em que o digital era a tendência” e em que nos estúdios “o verde chroma era rei e senhor”, João Vasco recorda que a conferência mundial sobre mobilidade em bicicleta “veio quebrar um bocadinho esta tendência”, trazendo um pouco “da normalidade do passado”. Foi um evento com várias conferências ao mesmo tempo, onde os participantes ouviam a sessão escolhida nos auscultadores. “Estava um silêncio absoluto; gostei muito desta sensação”, frisa, revelando ter‑se sentido, algumas vezes, emocionado durante este trabalho. “Foi um longo e penoso caminho até conseguirmos estar outra vez num evento com pessoas, em que se sente aquele ambiente de partilha, de sorrisos e de emoções, porque, afinal, nós somos pessoas de afetos e isso não se pode perder...” Com tantos anos de eventos, é sempre difícil destacar alguns momentos, embora se somem as boas histórias. João Vasco recorda uma experiência, no primeiro ano da Web Summit em Portugal. “Estava a trabalhar dentro do evento para a BMW, quando me pediram para ir fotografar o Paddy Cosgrave num dos automóveis em destaque na altura, um i8, daqueles que não passam despercebidos nem aos mais distraídos.” A ideia era acompanhar o fundador do evento até ao Palácio de Belém, em hora de ponta, num percurso que João Vasco imaginava longo…

“Saímos da Altice Arena com muita calma, com dois batedores da GNR na frente da pequena comitiva de dois carros. A minha função seria fotografar o carro em andamento durante o percurso e, se possível, apanhar o Paddy a dizer adeus. E em segundos, as filas apareceram, um trânsito impressionante…Num ápice, os batedores acenderam as sirenes e começaram a abrir uma passagem que mais parecia uma estrada vazia; não havia sinais encarnados, nem prioridades nas rotundas ou cruzamentos. Entrámos na segunda circular parada, com os condutores dos automóveis furiosos a buzinar (e eu até entendo), mas a verdade é que a emoção era muita e experienciar isto uma vez na vida valia muito a pena”, conta João Vasco, elogiando o trabalho dos batedores da GNR, que os levaram ao destino em 15 minutos. “Ah, e as fotografias também ficaram boas...”Nesta quantidade de episódios memoráveis há também aqueles em que se apanham grandes sustos. João Vasco lembra um, que lhe serviu de lição. “Fui fotografar um evento de manhã, que terminou ao princípio da tarde. Normalmente, vou direto ao escritório, descarrego os cartões e sigo a minha vida. Se editar o trabalho logo é o procedimento a fazer; se isso não acontecer tenho o trabalho todo em discos e pego nele quando for oportuno.” Mas nesse dia, o fotógrafo tinha ido trabalhar de mota e, aproveitando o dia de sol e o facto de ter a máquina consigo, decidiu visitar umas falésias na zona oeste.

“Quando lá cheguei, montei o set todo. Mochila no chão, bolsa dos cartões da máquina no chão (com o trabalho da manhã). Fotografei até não haver luz, já escuro, de sorriso no rosto. Arrumo tudo e vou para casa...” No dia seguinte, ao chegar ao escritório, repara que não tem a bolsa dos cartões. Depois do pânico inicial, lembrou‑se do episódio da falésia, situada a 60 quilómetros de Lisboa. “Cheguei e a falésia parecia toda igual e da mesma cor.” Surgiram as dúvidas do local certo, as pernas tremiam…João Vasco já só queria o trabalho realizado no evento e, depois de muito procurar, a bolsa dos cartões foi encontrada. “Foi um alívio enorme naquele momento e a sorte esteve do meu lado. Há lições que aprendemos da melhor maneira e esta foi uma delas”, sublinha.

© Maria João Leite Redação