Marta Gomes: “O que me atrai, e me faz ficar neste mundo, são mesmo as pessoas”

Entrevista

01-03-2023

# tags: ICCA , Eventos , Meetings Industry

Desde 2022, a presidência da ICCA está nas mãos da portuguesa Marta Gomes. A vice-diretora executiva do Departamento de Vendas da Viparis tem planos muito concretos para “construir para o futuro, fazer a indústria avançar”.

Como é que foi o seu percurso académico e como é que tudo se encadeou até chegar à meetings industry?

Tive uma educação muito internacional, andei no Colégio Inglês do Porto e depois no Saint Julian’s, em Lisboa. Desde os três anos que falo inglês e sempre cresci num ambiente muito internacional, com pessoas de todas as nacionalidades. Estudei em Inglaterra, morei um ano e pouco em Londres, e quando saí da universidade queria ser diplomata. Mas não falava muito bem francês, e então fui fazer um estágio em Paris com o ICEP. Foi aí que comecei a ter contacto com os eventos, participava na promoção dos têxteis portugueses, coordenava os pavilhões nas feiras. Foi nessa altura que descobri este mundo dos eventos. Depois comecei a trabalhar num centro de congressos aqui em Paris, e a partir daí nunca mais deixei. Comecei logo com uma posição de business development internacional, mais focada nos mercados americano e inglês, que eram os nossos principais mercados. Em 2008, houve uma fusão das empresas que detêm os centros de congressos parisienses e a criação da Viparis. Foi uma altura interessante, porque foi aí que eu comecei a vender mais a cidade de Paris e não tanto um venue, mas sim vários. Na altura, eram oito venues, agora são 12. Paris sempre foi uma cidade de eventos, mas foi muito interessante potenciar as oportunidades para eventos internacionais em todo o tipo de venues. A partir de 2014, comecei também a trabalhar muito na definição do novo centro de congressos, o Paris Convention Center, que abrimos em 2018.Esse foi um projeto super interessante: participar desde o início na definição de qual seria o produto para corresponder às necessidades da maior parte dos nossos clientes; criar o maior centro de congressos da Europa e criar um plano de vendas a cinco anos para atrair grandes eventos à cidade. O projeto teve muito sucesso uma vez que, entre 2018 e 2022, conseguimos atrair os três maiores congressos europeus: cardiologia, doenças respiratórias, e oncologia.

Esse percurso culminou agora com a eleição como presidente da ICCA...

Exato. Estou envolvida com a ICCA já há muitos anos. Participo há 12 anos como voluntária, primeiro no Capítulo France‑Benelux, depois no board a representar a Europa e, a partir de novembro passado, como presidente da ICCA.

Como é que se planeia um novo centro de convenções a pensar no futuro? Como é possível antecipar as necessidades que existirão daqui a cinco, dez anos?

Planeando a flexibilidade. Esse é o item mais importante deste centro de congressos, a sua capacidade de mutação. É um centro de congressos todo feito de paredes amovíveis, tem mais de um quilómetro de paredes que se podem mudar e fazer entre zero e 45 salas, para 50 ou cinco mil pessoas. É um espaço completamente flexível. Também pensamos muito na experiência dos visitantes. O centro de congressos tem uma vista sobre a Torre Eiffel, tem luz natural, tudo aquilo que quando alguém está cinco dias num centro de congressos quer. Pensamos também nos espaços de catering, para que eles fossem um bocadinho parisienses, com uma boulangerie, um bistrô. No fundo, trazer o espírito de Paris ao centro de congressos.

O que é que a fascina neste mundo dos eventos?

Acho interessante a variedade. Temos clientes que vêm de todas as geografias, são todos muito diferentes, uns são organizadores de feiras, outros não têm nada a ver com eventos, mas são os melhores do mundo nas suas especialidades. O que me atrai, e me faz ficar neste mundo, são mesmo as pessoas. A possibilidade de conhecer pessoas interessantes não tem equivalente noutro setor. São as melhores do mundo no que fazem.

Já viveu vários desafios na Viparis. O que é que ainda a motiva no seu trabalho?

O que acho interessante no meu trabalho atual é a gestão das equipas, formação e recrutamento de pessoas novas. Gosto de poder transmitir e partilhar a paixão que tenho pelos eventos. Os melhores elementos são aqueles que vão querer saber porquê, indagam porque é que não fazemos de uma maneira diferente e que vão sempre questionar aquilo que nós fazemos. É interessante saber a visão deles.

A propósito do recrutamento, esse é hoje um dos principais problemas desta indústria. Qual é a sua visão sobre o tema?

O nosso setor vai ter que melhorar a comunicação. Nos eventos há apresentação de inovações, de progresso científico, criação de novas oportunidades de negócio. O que queremos partilhar com as pessoas novas que recrutamos para a nossa empresa é que nós não fazemos só o acolhimento dos eventos, a parte organizacional e logística, mas o contributo para o sucesso e o impacto do evento depois de ele acontecer. Acho que isso é uma coisa que nós temos de comunicar melhor, todos em conjunto, não só as associações, mas também as empresas. Temos de criar um storytelling mais atraente sobre o interesse dos eventos, o que produzem, e o que resulta deles.

Presidência da ICCA e planos para o mandato


Em 2022, depois do percurso na ICCA, decidiu candidatar-se à presidência. O que é que a moveu a dar esse passo?

Estou muito grata à ICCA pela forma como me ajuda no meu papel: ter sucesso a ganhar eventos para a minha cidade, aprender, experimentar novas coisas, inovar e progredir na minha carreira e, acima de tudo, conectar com pessoas de todo o mundo que têm os mesmos desafios e que estão felizes por colaborar e criar soluções conjuntas. Quando me voluntariei, pela primeira vez, foi porque queria devolver algo à associação, ajudá‑la a ser mais forte e trazer o mesmo valor para outras empresas e profissionais em todo o mundo. A parte de que eu gosto nesse meu papel na associação é construir para o futuro, fazer a indústria avançar, fazer coisas novas. Nestes últimos seis anos que passei no board, os projetos que mais me interessaram foram a criação do Association Community e, mais recentemente, a criação do programa ICCA Skills, importante para acelerar a formação de pessoas novas que entram na nossa indústria. Demoramos muitas vezes dois, três, quatro anos a perceber bem como é que devemos trabalhar com este tipo de clientes e esta formação permite acelerar o processo, porque utilizamos as competências dos melhores da indústria a nível mundial para criar este programa, que está agora a ser lançado.

O que é que acha que foi mais decisivo na sua vitória? Acha que se não estivesse em Paris, teria conquistado na mesma a presidência?

Acho que sim. O que as pessoas viram na minha candidatura, e isto é um instinto, não sei se é realmente a razão, foi uma vontade real de mudar as coisas e de fazer. Muitos membros apreciaram também a minha capacidade e vontade de os ouvir, e de construir uma estratégia que seja realmente participativa, com o input dos membros. Vamos agora lançar uma sondagem para ter uma visão dos membros. Espero que participem.

Essa visão dos membros vai impactar os seus planos de futuro para a ICCA?

Sim. Vai ser lançada a sondagem internacional nas próximas semanas, para perceber quais são as prioridades, as necessidades agora neste período de pós‑covid. Não vai ser só uma sondagem online, mas vamos realizar entrevistas com membros, em one‑to‑one ou em grupos de trabalho, para poder envolver realmente todas as regiões, todos os setores. A partir disso, e de uma reunião estratégica que vamos ter com o board, vamos definir as prioridades para 2023 e 2024.

Ainda sem ouvir os membros, quais são as suas prioridades?

Temos prioridades internas e externas. Em termos das prioridades internas, acho que vai ser necessário rever, mas isso também vai sair dos resultados da sondagem, o nosso modelo de associado. O segundo objetivo interno é a transformação digital da associação, que já começamos. Em 2023, vamos ter o nosso novo website, CRM e a nossa base de dados, que estamos a rever em colaboração com uma empresa americana, a Simple View, para podermos ter um sistema mais compreensível, de mais fácil utilização, e para podermos ter mais dados sobre a forma de interagir dos nossos membros. Este novo sistema vai permitir‑nos ter uma visão mais fina do comportamento dos membros, daí percebendo as suas necessidades. No capítulo das prioridades externas, acho que são as prioridades globais da nossa indústria: o aspeto dos talentos e como continuamos a ser uma indústria atrativa para as pessoas que estão a sair da universidade, como mantemos as pessoas que temos, mas que continuamos a perder; o desenvolvimento sustentável, ou seja, continuarmos a construir o roadmap do net zero carbon events; e o impacto e legado dos eventos, trabalhando com as instituições organizadoras dos eventos na forma como medir melhor o impacto dos eventos e continuar programas como o Incredible Impact, que já fazemos com a Best Cities, mas também trabalharem programas regionais de partilha de melhores práticas de inovação para podermos acelerar alguns projetos.

O nosso setor foi muito impactado com a pandemia. Acredita que hoje os governos estão mais cientes do que é a meetings industry?

Acho que sim. É uma experiência talvez europeia e francesa, não sei se é exatamente a mesma coisa no mundo inteiro, mas acho que conseguimos ter conversas com governos sobre a reabertura depois da covid que foram interessantes. Acho que eles conseguiram perceber que o nosso negócio não era só festas e cocktails, mas que tinha uma vertente de negócio e científica que era importante, e que o período de fazer eventos online nos ensinou que havia um impacto importante dos eventos na formação, por exemplo, de médicos. Os congressos fazem parte do percurso de formação profissional em muitos setores. Acho que isso foi uma coisa que eles provavelmente descobriram.

A pandemia motivou inúmeras inovações tecnológicas para o setor dos eventos, deu-nos novas ferramentas, mas acha que, por outro lado, atrasou a implementação de práticas mais sustentáveis?

Acho que não. Acho que até acelerou os processos de sustentabilidade. Nas empresas, como a minha e pelo mundo inteiro, este período em que não pudemos fazer eventos foi uma oportunidade para pensar em como fazer melhor na reabertura. Tínhamos a certeza de que esse tipo de preocupações seriam ainda mais importantes. Habituámo‑nos a não viajar, a não participar em eventos e, hoje, quando decidimos ir a um evento, também temos de pensar na pegada ecológica e avaliar se vale a pena viajar para participar ou participar online, porque continua a ser uma opção.

Falou de recrutamento, sustentabilidade, legado. Que outros desafios considera prementes, neste momento, na indústria?

Acho que a inovação vai continuar a ser também uma parte importante daquilo que temos de acelerar e partilhar. Há muitas inovações que se fazem, hoje em dia, que não são tão partilhadas e esse é também um objetivo importante para a ICCA: ser essa plataforma de partilha de inovações, para sermos mais ágeis e termos mais capacidade de agir rapidamente.

O potencial de Portugal


Já não vive em Portugal há uns anos, mas acompanha o setor no país, por exemplo, através do Capítulo Ibérico da ICCA. Qual é a sua visão do setor em Portugal e o envolvimento dos profissionais na associação?

Acho que Portugal ainda tem muito potencial de crescimento nesta indústria. É um país atrativo por muitas razões, pela conectividade aérea, património. Há empresas hoje que poderiam ser membros, que podiam desenvolver mais a atividade internacional. Talvez a covid tenha impactado muitas empresas, como impactou no mundo inteiro, mas acho que há um potencial. Este ano vamos fazer o evento do Capítulo Ibérico em Portugal, e vai ser uma oportunidade de conseguirmos trazer mais empresas para a nossa comunidade.

Que argumentos usaria para tentar convencer mais empresas portuguesas a aderirem à ICCA?

Acho que é o network. O que é mais interessante na ICCA não é a base de dados, embora seja interessante poder ter acesso a uma base que tem todos os congressos mundiais e é um bom ponto de partida para uma empresa que se quer começar a internacionalizar e a atrair congressos internacionais, mas acho que o valor principal da ICCA é o seu network e a capacidade de poder aprender mais rápido e desenvolver mais depressa as conexões e começar a ter negócio.

Oito perguntas a Marta Gomes


Rede social favorita?

LinkedIn.

Um lugar a que volta sempre quando está no Porto?

À Baixa.

Palavra portuguesa preferida?

Fixe.

Uma viagem de sonho?

Tenho tantas!!! A minha próxima, que vai ser ao Japão.

Uma pessoa de referência para si na meetings industry?

Nina Freyssen‑Pretorius. Quando decidi candidatar‑me já para o board da ICCA, na altura, fui bastante inspirada pela nossa antiga presidente. Acho que é uma mulher muito inteligente, muito motivadora e, no início, tive uma grande vontade de trabalhar com ela, de ver o que ela queria fazer pela associação.

Evento mais espetacular onde esteve?

Um que adorei foi o The International Astronautical Congress, que decorreu em Paris, em outubro. Foi um evento espetacular pela forma como conseguiram trazer para um congresso que era muito científico e técnico uma atividade aberta ao público, às crianças parisienses que puderam participar na conferência e conhecer os astronautas. Toda a gente sonha com as estrelas e foi muito interessante a maneira como conseguiram transformar o evento em algo inspirador.

Prato preferido?

Sardinhas grelhadas.

Um hobby?

Montanhismo.

© Cláudia Coutinho de Sousa Redação