“Saber receber deve ser encarado como uma arte”

24-04-2019

# tags: MICE , Açores , Eventos , Portugal , APAVT , Turismo de Negócios , Destinos , São Miguel

Estar de portas abertas ao mundo acarreta desafios que qualquer território tem de enfrentar e melhor saber ultrapassar.

Isto aplica‑se quer se fale de um país como um todo, quer se fale de uma região, como os Açores, que tem ganho nos últimos anos grande visibilidade internacional. Em três anos, segundo o indicador das dormidas, o arquipélago registou um crescimento de 93% e, no ano passado, a região acolheu 2.300 milhões de visitantes.

Saber receber é uma arte, como lembrou Marta Guerreiro, secretária regional da Energia, Ambiente e Turismo (SREAT) dos Açores, que falou à Event Point durante o 44º Congresso da APAVT – Associação das Agências de Viagens e Turismo, que decorreu de 22 a 24 de Novembro, em Ponta Delgada, e que debateu os desafios do crescimento do turismo em Portugal e também, de uma forma mais específica, nos Açores.

O reforço da marca Açores, o crescimento sustentável do destino, a distribuição equilibrada do turismo por todas as ilhas, a aposta nos recursos humanos, a competência, a formação e a valorização das profissões ligadas ao sector são alguns dos desafios que no caso açoriano se destacaram no painel. E investimentos estão a ser feitos.

No que toca ao turismo de negócios, Marta Guerreiro contou à Event Point que tem sido feita uma aposta nos eventos desportivos, porque permitem comunicar também os produtos de cada uma das ilhas. A SREAT lembrou eventos como o Red Bull Cliff Diving, um evento internacional que “traz não só a questão da dinâmica no local, mas que leva também a visibilidade dos Açores para os vários canais que acompanham o evento”.

Em termos de representatividade, o mercado português “continua a ter a maior fatia”, na ordem dos 42%, sendo os restantes 58% de mercados internacionais. Dentro destes, “a Alemanha continua a ter um peso bastante grande e há um mercado muito emergente que é o mercado dos Estados Unidos, que se tem afirmado também de forma bastante significativa”.

Por ser maior, a ilha de São Miguel é das nove a que mais se tem destacado no sector do turismo de negócios, mas as restantes ilhas têm um grande potencial de crescimento nesta área, de acordo com Marta Guerreiro, que destaca também, em termos percentuais, as Flores e o Pico.

event point revista eventos turismo de negócios

Cinco perguntas a Marta Guerreiro

Qual o posicionamento dos Açores em relação ao turismo de negócios?

O turismo de negócios, a meetings industry é, a par do turismo de aventura e dos eventos desportivos, um turismo que nós incentivamos muito para combater as questões da sazonalidade, procurando atrair para os Açores grupos que possam fazer os seus eventos cá. No que diz respeito à questão desportiva, também muito ancorados nos produtos que depois nós vendemos para o mercado no seu todo, e estamos a falar das caminhadas, do ciclismo, do surf, da vela, de muitos desportos que depois permitem transmitir essa perspectiva dos Açores.

Que investimentos têm sido feitos no sector?

Neste sector, e falando em termos de qualificação da região, temos a componente da qualificação dos recursos humanos, que é muito importante, e da qualificação das estruturas físicas propriamente ditas. Neste aspecto, dado o crescimento que temos tido nos últimos anos, temos feito um esforço grande na qualificação dos locais, especialmente dos que têm maior procura por parte de turistas, com a implementação de algum modelo de gestão diferente, intervenções nos locais, regulamentos de acesso, tudo para permitir que quem vem consiga ter uma experiência de acordo com aquilo que defendemos que deve ser a experiência de estar nos Açores. Compete‑nos também a diversificação e é isso que temos procurado fazer, encontrar novos pontos e investir neles para que constituam novos locais de interesse turístico. Relativamente aos eventos, os investimentos não são físicos. Têm a ver com a captação e o apoio em trazer os mesmos para a região, tentar também não os concentrar apenas em São Miguel e levá‑los para as outras ilhas. E temos conseguido fazer isso… Temos imensas actividades que, associadas aos produtos específicos de cada uma das ilhas, que são sempre muito singulares, permitem potenciar o que cada uma tem de melhor para vender.

E no que toca à capacidade hoteleira?

Temos tido capacidade de alojamento. Na região tem crescido bastante e, neste aspecto, gostava de realçar que esta capacidade hoteleira – que tem surgido muito também com o contributo e honra seja feita ao alojamento local, e muito alojamento de local de boa qualidade –, esta oferta permite um crescimento, uma resposta à procura que de outra forma não seria de todo possível. Mas sobre esta questão gostava de dar nota que é uma preocupação que temos, e que está reflectida na alteração do Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma dos Açores, de termos estruturas de média e reduzida dimensão, que permitam experiências de quem nos visita bem integradas dentro daquilo que são as nossas vivências, as nossas culturas… Queremos também, naturalmente, que os ganhos desta fase muito auspiciosa em termos de crescimento económico e do turismo seja repartido, e o mais repartido possível. Essa também é uma preocupação que temos e que consideramos perfeitamente alinhada com a nossa estratégia de desenvolvimento turístico.

Que impacto teve a entrada das low cost nos Açores?

Claro que teve um grande impacto. Mas no ano de 2014, e mesmo sem low costs, sentimos já um crescimento bastante significativo, por exemplo, do mercado norte‑americano. Isto porque apanhámos uma altura em que a conjuntura internacional também estava a mudar… Claro que foi muito benéfico, mas não foi o único factor. Conseguimos esta conjugação, que foi muito feliz, e permitiu que, além de ter aberto o mercado aéreo para operações low cost, também se conseguisse estabelecer um modelo muito justo de igualdade dentro das ilhas, no sentido em que qualquer açoriano, em qualquer ilha, pode sair pelo mesmo valor, independentemente de beneficiar de ligações directas para low cost ou não. E o mesmo acontece com os turistas que chegam de Portugal continental. Se conseguirem um preço muito atractivo numa companhia de baixo custo para a ilha Terceira, por exemplo, mas se o que quiserem é ir para a Graciosa, não vão pagar mais por isso. Isso também foi um modelo muito bem conseguido, que teve resultados bastante positivos.

Que desafios traz aos Açores toda esta visibilidade nacional e internacional?

Traz desafios muito grandes. Um deles tem precisamente a ver com a formação e com os recursos humanos. Este crescimento que nós vivemos é fantástico, mas é muito recente… O problema que existe a nível nacional de falta de recursos humanos no sector é especialmente sentido aqui. Estão em curso iniciativas que pretendem não só dotar a região de mais pessoas com formação nesta área, mas também algo que para nós é muito importante: a valorização das profissões do sector. Elas não são ainda vistas como devem ser vistas. Saber receber deve ser encarado como uma arte. Isto não se muda por decreto. Faz‑se com muito investimento e com o passar do tempo. Temos aqui algumas questões culturais que é preciso ultrapassar. Estamos a investir muito nas escolas profissionais com mais formações na área do turismo. Estamos a trabalhar com as escolas em conteúdos na área do turismo, em especial do turismo sustentável, dando sempre o mote de como o turismo pode contribuir para o crescimento dos Açores e como as profissões ligadas ao turismo são muito importantes e têm de facto de ser valorizadas. Estamos a trabalhar com o IPDT [Instituto de Planeamento e Desenvolvimento do Turismo] numa formação que também vai chegar a todas as ilhas, que se vai chamar ‘Açores Recebe Bem’, que tem como objectivo pôr os actores ligados ao sector a se autocriticarem na forma como recebem, para que dessa reflexão saiam propostas de como melhor receber. Temos também parcerias com a AHRESP [Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal] no sentido da valorização gastronómica dos nossos restaurantes. Portanto, há muito trabalho em curso… Ganharemos todos com um turismo mais qualificado e mais apto a receber bem.

Maria João Leite*
* Viajou aos Açores a convite da APAVT


 


 

© Maria João Leite Redação