Expo’98, O evento que marcou Portugal

20-08-2018

22 de Maio de 1998 foi o dia em que foi inaugurada a Exposição Mundial de Lisboa, um evento que marcou a cidade, o país e o sector. Passaram‑se vinte anos.

Não havia um Parque das Nações, um Pavilhão de Portugal, uma Altice Arena, um Oceanário… Não havia tantas outras estruturas e uma zona que convida ao passeio junto ao Tejo. Depois do sonho, e feita uma total mudança urbanística daquela zona da capital, Portugal apresentou a Expo’98, que recebeu a visita de mais de dez milhões de pessoas.

Durante cerca de quatro meses, a Exposição acolheu países e entidades e mostrou ao mundo a capacidade portuguesa na organização de grandes eventos; proporcionou aos visitantes animação nas ruas, música, arte, passeios de teleférico, conhecimento, cultura; alterou a dinâmica de uma cidade, e até do país, que ganhou mais vida e mais equipamentos que se adaptaram depois às necessidades existentes e que são ainda hoje úteis e de referência.

Os oceanos serviram de mote à Expo’98. A água voltou a ser tema, vinte anos depois, nas comemorações que decorreram de 25 de Maio a 2 de Junho; uma festa organizada pela Associação Turismo de Lisboa e pela Câmara Municipal de Lisboa, e cuja concepção e produção esteve a cargo da Eventors’Lab.

Recordando o passado e olhando o presente, as comemorações foram marcadas por um espectáculo multimédia – onde foram projectadas, num ecrã de água, imagens que acompanhavam as palavras de Mário Augusto interpretadas por Eduardo Rêgo – e pelo regresso dos Olharapos ao Parque das Nações. À Event Point, a directora da Eventors’Lab, Ana Fernandes, explicou as principais preocupações na produção deste evento.

“A Expo'98 foi incontestavelmente um momento marcante na nossa história recente. Não só na mudança de paradigma da cidade de Lisboa, mas sobretudo na afirmação de Portugal como país do mundo, que se orgulha de si, com capacidade de organização e concretização. Fazer estas comemorações não poderia frustrar quaisquer expectativas que fossem criadas, apesar dos recursos escassos, o tempo que tivemos de preparação e de estarmos no rescaldo da Eurovisão (um novo desafio nacional à escala planetária). Assim resolvemos centrar‑nos no que era essencial: retomar o tema da água, que orientou todo o percurso da Expo, e concentrar a acção num dos edifícios que per si simbolizam a beleza, capacidade e desafio deste projecto: a Pala do Pavilhão de Portugal.”

A Eventors’Lab concentrou‑se na “memória do essencial”. Lembrar os meses intensos da Exposição é lembrar também os Olharapos – e foram recuperados nove por Jorge Gameiro, para que fosse possível reviver e passar a experiência às novas gerações – e o hino “Pangea”, da autoria de Nuno Rebelo. “É impressionante como, após 20 anos, esta música continua a ser um símbolo e capaz de emocionar.”

Para Ana Fernandes, “os mais de 55 mil espectadores, ao longo das nove noites do evento, comprovam que a Expo continua a ser uma referência”. E “mais do que os aplausos que ouvimos no final de cada espectáculo, ficam as histórias que connosco foram partilhadas, algumas lágrimas de saudade por momentos vividos e a promessa de que regressarão a este espaço de lazer e convívio a cada chamamento”.

20 anos, cinco testemunhos

A Event Point recolheu também testemunhos de pessoas que trabalharam no evento, para conhecer histórias e desafios e para perceber de que forma a Expo’98 marcou o sector dos eventos em Portugal.

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João Sacchetti
Fundador e primeiro presidente da APECATE

Que funções exercia na Expo’98?

Era coordenador dos Serviços de Informação da Expo, ou seja, onde se recolhia informação de todas as manifestações que havia todos os dias – em média, umas 200 a 250 manifestações – e se formava uma espécie de plano de trabalho. Era um guia fundamental que servia para a equipa de Direcção saber o que é que ia acontecer.

Quais os grandes desafios de trabalhar neste evento?

Primeiro, montar um sistema de comunicações célere. Não havia um sistema de informações integrado – tínhamos telefones, email, mas não existia uma plataforma onde cada serviço registasse tudo o que tinha de fazer e o que ia mudar. Mas lá se organizou um formato. A equipa era muitíssimo dedicada e competente e conseguimos fazer isso todos os dias.

O que a Expo’98 significou na sua carreira?

Foi uma grande mudança. Estava convicto de que a minha vida ia continuar na publicidade, mas na verdade não. Portanto, foi uma oportunidade. E permitiu que eu dali tenha ido para a João Lagos [Sports] – aliás, as coisas que fiz na área dos eventos começaram aí. Foi um ponto de mudança, de viragem na minha carreira.

O que fez a Expo’98 pelo sector dos eventos em Portugal?

A Expo foi uma afirmação da nossa capacidade de planear, de organizar, de executar bem, com qualidade e com nível. Estávamos convencidos de que não sabíamos fazer. E a verdade é que não só sabíamos fazer, como fizemos com grande nível e grande qualidade. Dotou Lisboa de infra‑estruturas que não tinha, desde logo, o Pavilhão Atlântico, agora Altice Arena. Criou de facto um segmento de actividade: os eventos. Não havia isso com consciência profissional – os eventos são uma classe profissional. E a partir daí foi possível fazer outras coisas: o Dakar em Portugal e o Euro 2004 foram possíveis porque houve Expo. A Expo foi, digamos, a prova dos nove da nossa capacidade de organização à escala planetária. Fui presidente da Associação [Portuguesa de Empresas de Congressos, Animação Turística e Eventos] e sempre afirmei que os portugueses fazem eventos como ninguém.

Tem algum episódio que possa partilhar connosco?

Passávamos tantas horas ao computador, que tive um problema no olho. Estava em risco de cegar e isso foi de tantas horas que passei a olhar para o ecrã. E cheguei a dormir no chão. Se houvesse um problema nós virávamos ali noites facilmente. Mas é evidente que valeu a pena. É um orgulho, é uma marca importante.

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Margarida Ferreirinha
Directora de Comunicação da REN

Que funções exercia na Expo'98?

Entre 1996 e 1998 estive na Direcção de Marketing da Parque Expo’98, na concessão e gestão de patrocínios desportivos e programação das actividades desportivas para o período da Exposição Mundial. Em 1998 passei para o Pavilhão da Utopia, actual Altice Arena, onde, depois de um período como adjunta, assumi as funções de Chefe de Visitas, ficando responsável pela operação de público do pavilhão durante o evento.

Quais os grandes desafios de trabalhar neste evento?

Poder trabalhar num projecto tão ambicioso a tantos níveis, desde a transformação urbanística ao impacto cultural, económico e social foi uma oportunidade extraordinária. O maior desafio penso que foi o da capacidade de coordenação. Conciliar prazos de execução e orquestração de toda a actividade antes e durante o período da Exposição foi uma tarefa monumental, concluída com o maior sucesso por uma equipa verdadeiramente extraordinária.

O que a Expo'98 significou na sua carreira?

A Expo'98 foi uma experiência riquíssima. O privilégio de colaborar com tantos profissionais talentosos é algo que nos marca. Sempre valorizei muito as oportunidades de integrar projectos verdadeiramente multidisciplinares, onde as diversas componentes tivessem o mesmo peso e relevância e em que o trabalho de equipa fosse um factor determinante. Já tinha tido oportunidade de participar no arranque do Centro Cultural de Belém e sabia que a experiência da Expo'98 seria outro projecto transformador para mim, a nível pessoal, mas também para o país.

O que fez a Expo'98 pelo sector dos eventos em Portugal?

A Expo'98 teve um enorme impacto a vários níveis; desde o desenvolvimento de equipamentos cruciais para trazer para Portugal eventos que até aí não consideravam o nosso país, essencialmente devido às restrições de capacidade dos espaços existentes, como permitiu também formar, mais e melhor, profissionais em diversas áreas técnicas e criativas, bem como desenvolver novos conceitos de eventos, mais abrangentes, mais integrados e sobretudo mais sofisticados. A Exposição foi a melhor campanha promocional de todas estas competências que Portugal podia fazer.

Tem algum episódio que possa partilhar connosco?

Tive vários momentos inesquecíveis: desde a formação da nossa equipa no pavilhão à famosa “ola mexicana” que os assistentes organizavam com o público enquanto esperavam que o pavilhão enchesse e o espectáculo começasse, as perguntas que os visitantes colocavam aos assistentes enquanto estavam nas filas, as emergências médicas – principalmente as duas muito graves da última noite da Exposição, que conseguimos evacuar com sucesso através de um recinto totalmente lotado. Toda a Expo'98 foi uma experiência humana muito marcante e no Pavilhão da Utopia traduziu‑se em 132 dias, com 534 espectáculos vistos por 3.286.386 pessoas!

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Cândido Rodam
CEO de várias empresas nacionais e internacionais de audiovisuais e de outros serviços para eventos

Que funções exercia na Expo’98?

Consultor e fornecedor de soluções de equipamentos audiovisuais.

Quais os grandes desafios de trabalhar neste evento?

Foi um grande desafio, visto ter sido o primeiro grande evento do género em Portugal e tendo em conta as limitações que o equipamento audiovisual tinha há 20 anos.

O que a Expo’98 significou na sua carreira?

Foi um momento muito importante que ajudou a alavancar o nosso negócio e toda a área do audiovisual, quer pela quantidade de equipamento que tivemos de adquirir, quer pelos espaços de eventos que ficaram depois da Expo’98 (Altice Arena, FIL, Teatro Camões, Casino de Lisboa). Permitiu ainda participar num enorme desafio para Portugal, que foi muito bem sucedido.

O que fez a Expo’98 pelo sector dos eventos em Portugal?

Tudo o que já mencionei revolucionou o mercado e as soluções audiovisuais e deixou espaços de eventos de qualidade indiscutível, além de ter colocado o país na rota dos grandes eventos internacionais pela capacidade revelada pelos operadores nacionais.

Tem algum episódio que possa partilhar connosco?

No dia do ensaio geral, as filas e confusão eram de tal ordem, que os nossos técnicos não conseguiam chegar aos mais de 40 pavilhões em que estivemos envolvidos, causando aquele stress normal nos clientes. Mas no fim, tudo correu pelo melhor, conforme os habituámos. O dia da inauguração da Expo’98 e o concerto da dupla Teresa Salgueiro & José Carreras, onde também participámos, seria o momento marcante que escolheria.

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João Amorim
Gestor Comercial e de Clientes na Altice Arena / Prospecção Comercial na Blueticket

Que funções exercia na Expo'98?

Colaborei no Departamento de Relações Públicas, onde tinha a responsabilidade de organizar e acompanhar Altas Entidades, delegações e líderes de opinião à Zona de Intervenção e ao recinto da Expo’98. Adicionalmente tive sob minha responsabilidade a organização dos Dias de Honra dos patrocinadores e apoio ao Gabinete do Administrador, Dr. Mega Ferreira, nos Dias Nacionais.

Quais os grandes desafios de trabalhar neste evento?

Estávamos a fazer história, não só pela dimensão e complexidade do projecto, como pelo impacto que teve na sociedade. Todos os olhos estavam sobre nós e a pressão era enorme. Diariamente éramos escrutinados pelo enorme investimento que o Estado estava a realizar com o projecto. Creio que ninguém tem dúvidas de que a aposta foi a mais correcta e que os resultados ficaram à vista.

O que a Expo'98 significou na sua carreira?

Comecei a colaborar na Expo'98 em Janeiro de 1997, com 19 anos. Na altura era trabalhador e (pouco) estudante de Ciências da Comunicação. Costumo dizer que perdi um ano de faculdade, mas ganhei muitos de experiência naquele período. Permitiu‑me igualmente ter uma base de contactos que foi essencial no desenvolvimento da minha carreira profissional após a Exposição.

O que fez a Expo'98 pelo sector dos eventos em Portugal?

Creio que teve um grande impacto em três campos distintos: nas pessoas que estiveram envolvidas na organização e nos diferentes prestadores de serviços pois trouxe mais know‑how e mais experiência a esses recursos humanos; para as empresas, pois necessariamente tiveram de investir, quer em meios humanos, quer técnicos, e ficaram mais bem preparadas para os desafios que se apresentaram no pós‑Expo; e para o país e para a cidade, pois a partir da Expo'98 passámos a receber eventos de maior dimensão e que colocaram o destino no mapa. Esse efeito é notório nos grandes eventos que Portugal passou a receber e nos quais demonstrou a sua capacidade de realizar os mesmos com elevados patamares de qualidade, como os MTV European Awards, Euro 2004, Cimeira da NATO, Final da Champions, visita do Papa, Web Summit e mais recentemente a Eurovisão, entre outros.

Tem algum episódio que possa partilhar connosco?

Creio que o dia 30 de Setembro, data do encerramento, foi especial. As Relações Públicas nesse dia tinham a responsabilidade de acompanhar as Altas Entidades até à beira‑rio para o espectáculo de encerramento. Quando o fogo terminou, num acto completamente espontâneo, todos os colegas que estavam no local começaram a chorar de emoção, perante o ar um pouco perplexo da comitiva. Foi um momento inesquecível.

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João Paulo Velez
Director de Comunicação do Santander

Que funções exercia na Expo'98?

Fui director de Comunicação e Imagem da Parque Expo 98 e porta‑voz do seu Conselho de Administração. Durante a Exposição, fui também director do Centro de Comunicação Social, por onde passaram 11.000 jornalistas e que, além disso, integrava uma redacção (Agência Expo) que produzia notícias em quatro línguas, era responsável pelo Diário da Expo (em parceria com o Diário de Notícias), da TeleExpo (em colaboração com a RTP) e da Rádio Expo (acordos com RDP e Rádio Renascença). Já depois de 1998, fui director de Marketing e Comunicação da empresa e administrador não executivo da Atlântico – Pavilhão Multiusos de Lisboa SA. Estive ligado ao projecto desde os seus primórdios (1993) até 2004, com a concretização do seu projecto urbano.

Quais os grandes desafios de trabalhar neste evento?

Dirigir a comunicação de um projecto muito complexo e desafiante e sobre o qual poucos tinham certezas e muitos tinham dúvidas quanto à sua qualidade e execução prática (tanto no país, como no estrangeiro). Estive ligado à promoção da Exposição e do projecto urbano que lhe esteve associado, para mostrar a capacidade dos portugueses para levarem por diante uma obra fascinante que não se limitaria a uma grande festa sobre os oceanos, mas que ao mesmo tempo permitiria concretizar o mais vasto e extraordinário programa de reabilitação de uma zona da cidade com enorme potencial mas que estava esquecida e tomada pelo abandono. Quisemos fazer tudo isto com grande abertura e transparência, convidando os jornalistas nacionais e estrangeiros a visitar o local ainda durante os trabalhos, para ao mesmo tempo divulgarmos o evento e darmos a conhecer a dimensão de um projecto feito ao longo de cinco quilómetros do rio Tejo numa área de 330 hectares. O balanço não poderia ser mais positivo: a Expo'98 foi a que teve maior participação internacional (160 países e organizações), recebeu a visita de dezenas de chefes de Estado e de Governo, registou mais de dez milhões de visitantes (metade portugueses) e alcançou um enorme sucesso como nova zona urbana plurifuncional (com habitação, comércio, escritórios, zonas de lazer e áreas verdes) que, 20 anos mais tarde, está muito viva e pujante.

O que a Expo'98 significou na sua carreira?

Um desafio único, irrepetível. Um privilégio. Ao mesmo tempo, a possibilidade de ter uma formação ao vivo em arquitectura, design, construção, biologia marinha, diplomacia, imobiliário – e, cobrindo tudo isto, uma extraordinária experiência como comunicador e porta‑voz.

O que fez a Expo'98 pelo sector dos eventos em Portugal?

A Expo foi “o” evento. Quando se fala de 9000 espectáculos singulares ou permanentes ou de uma quantidade excepcional de conteúdos expositivos dos vários países, pode dizer‑se que há em Portugal na área dos eventos um antes e um depois da Expo’98. Nada foi o mesmo. Hoje, quando vemos o nosso país cheio de turistas ou de animação, ou vemos Lisboa e as outras cidades a regenerarem‑se tão profundamente, não podemos deixar de pensar em 1998 e na ideia de homens, como António Mega Ferreira, que souberam sonhar. O exemplo da Expo está hoje em todo o país, quer pela animação, quer pela regeneração urbana.

Tem algum episódio que possa partilhar connosco?

Destacaria dois. O dia do ensaio geral, a 9 de Maio de 1998, em que, depois de tantos esforços, foi possível concluir em situação real que tudo estava a funcionar e pronto a abrir. Foi o respirar de alívio. O outro foi o dia do encerramento em que 400.000 pessoas celebraram com a maior das emoções a alegria e o orgulho de um país aberto ao mundo e capaz de pôr os seus sonhos em prática.

Maria João Leite

© Alvesgaspar