O protocolo nos eventos e a IA

Opinião

09-07-2025

# tags: Protocolo , Eventos , APOREP

A nossa vida, quer em termos pessoais, profissionais ou sociais, não escapa à rapidez das enormes e complexas mudanças que a Inteligência Artificial representa.

Algumas já ultrapassaram as telas do cinema e, para o bem ou para o mal, estão para ficar. São tempos disruptivos. No entanto, esta quantidade massiva de informação, por vezes, contraditória e de difícil escrutínio, definida por Joseph Schumpeter como “destruição criativa”, pode levar à desconfiança e ao descrédito.

Tudo o que não queremos, como profissionais ligados à indústria dos eventos. Vivemos num contexto de globalização, de conflitos e diversidade cultural e geracional, tempo escravo dos media, onde “tudo chega, sem ser necessário partir”, onde “o mais” e “o maior” estão em oposição, e o relativismo justifica todas as ações, pelo que é urgente apelar à responsabilidade ética.

Os investigadores ligados à criação e desenvolvimento da IA e as entidades reguladoras têm, por isso, alertado para a necessidade e importância de conhecer e compreender as novas ferramentas de Inteligência Artificial, de forma a adaptar o seu uso ao contexto que caracteriza cada atividade profissional, estabelecendo um quadro de referência ética, compreensível, imparcial, mas atento, para que sua utilização promova as boas práticas, e consolide a confiança, a justiça e o respeito de todos e não grave desequilíbrios existentes, potenciando oligarquias, capazes de manipular e controlar o seu uso, e cujo objetivo é o poder, sem respeito pela dignidade humana e o bem comum.

É incontestável a mais-valia que o uso da IA representa em termos de inovação e criatividade, são um instrumento de mudança, pelo que, a sua compreensão e conhecimento importa a todos. O desconhecimento e o medo, ainda que legítimo, acrescenta instabilidade, desconfiança e crispação a um negócio que se quer capaz de vivenciar e potenciar “o momento”, de forma honesta, sustentável e ética.

Esta é uma fase crítica do processo que nos obriga a todos a uma constante interação e cooperação, sem isso, ficaremos à margem deste potencial de inovação, criador de ganhos inimagináveis em termos de qualidade, resiliência e sustentabilidade da escolha. Razão deste apelo para a ética na construção destas ferramentas, como garantia e defesa dos princípios e valores que orientam a nossa atividade profissional.

De acordo com Neil D. Lawrence – professor na Universidade de Cambridge, onde lidera a área de IA, e autor do livro Humano, Demasiado Humano –, é na ambiguidade e vulnerabilidade que o homem prevalece sobre a máquina e é aí que exerce o seu controlo. É no questionar, na incerteza e na fragilidade, que somos totalmente insubstituíveis e impossíveis de replicar.

Se considerarmos a ética como a interpelação constante, o “contentamento descontente” de Camões, ou a procura do mais alto de todos os bens que se podem alcançar pela ação, de Aristóteles, constatamos que, procurar as melhores respostas e os melhores instrumentos na criação e desenvolvimento do sucesso e bem-estar de todos os intervenientes, num determinado evento – seja qual for –, são objeto de um processo criativo e inovador (Portocarrero, 2016) e o segredo que transforma um mero evento, num acontecimento.

A ambiguidade e complexidade dos eventos, onde empresas, gestores, mercados e trabalhadores independentes, têm de trabalhar conjuntamente, obriga a uma conciliação, diálogo e negociação constantes.

Acreditar que alguns podem decidir, autónoma e livremente, de acordo com o seu poder, sem terem em consideração os diferentes empreendedores presentes é, no mínimo, irresponsável, na medida em que todos eles podem – e vão! – influenciar a forma como é comunicado e experienciado o evento.

Já “não há poderes sobre, surgem os poderes em”, como aponta Moura Jacinto (2004), “dentro da comunidade onde se vão definindo os relacionamentos mútuos”, há uma necessidade crescente de conciliação e negociação, tudo depende de tudo, em determinado momento, e, essas dependências podem mudar a qualquer instante.

A nova realidade de network distancia-se da noção de mercado e burocracia, na medida em que se baseia na confiança e na diplomacia. A tensão competitiva é substituída pela ação colaborativa (Rhodes, 2007).

Neste contexto o Protocolo é a mais-valia dos eventos, depois de definidos e estabelecidos os princípios e objetivos na criação e planeamento do evento, irá analisar, identificar e marcar eventuais riscos que possam impactar na comunicação e na reputação de todos os intervenientes, numa ação atenta ao pormenor e orientada pela diplomacia, promovendo ambientes facilitadores da negociação (Froideville & Vereheul, 2016). O Protocolo é a arte de negociar, e forma ética e transparente, em qualquer contexto e circunstância, através de procedimentos concertados e ajustados a cada evento, de forma estratégica, sem generalizações distantes ou moralistas, tendo como único objetivo a reputação e o êxito de todas as partes.

Se a IA nos apela à sua compreensão e estudo, a ética responsabiliza-nos pela sua regulamentação, propondo a construção de uma sociedade mais livre, justa, solidária e sustentável, preparada e capaz para continuar a criar, produzir e vivenciar eventos memoráveis.

Bibliografia

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Portocarrero, M. L. (2016). Racionalidade hermenêutica e éticas aplicadas no mundo contemporâneo. In M. d. Coord. Neves, Ética: dos Fundamentos às Práticas (pp. 211-222). Lisboa: Edições 70.

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Rhodes, R. (2007). Understanding Governance: Ten Years On. (S. Publications, Ed.) OrganizationStudies, 1243-1264. doi:10.1177/0170840607076586

Lawrence, N.D. (2025) Humano, demasiado Humano. Coleção Ciência Aberta. Gradiva

© Theresa Maria Santos Opinião

Vogal da Associação Portuguesa de Estudos de Protocolo.

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